Beatriz, mãe de Bartolomeu e Vinícius, sofreu dois choques violentos neste ano de 2014. O filho mais velho, Vinicius, foi vítima num acidente pouco antes da Copa do Mundo, entrou em coma e, embora lenta a sua recuperação, está meio desenganado pelos médicos no Hospital Aliança, em Salvador.
Mais recentemente, seu outro filho (Bartolomeu) capotou o carro numa rodovia paranaense, encontrando-se desde então à beira da morte na UTI de um hospital público de Curitiba. Na verdade, Bartolomeu já era tido morto, mas, de repente, “recuperou-se com as orações”, como garante a sua mãe.
Beatriz esteve em meado de novembro em minha casa. Como já nos conhecemos desde 1964, tentei dar-lhe conforto ao meu jeito. Meu pai, quando era vivo, gostava muito de Bartolomeu, mas a minha mãe, meus irmãos e, aqui em casa todos adoram mesmo, sem dúvida, é o seu filho Vinicius.
– Enquanto houver chances, não vou parar de pedir a Deus por eles, disse-me!
– Eu sei... Continue orando, rezando, implorando, incentivei-a, meio que desconversando...
– Você deixou de ser ateu?, indagou-me.
– Nunca fui ateu e jamais deixei de sê-lo.
– Você e seus labirintos..., protestou.
– Gosto do avesso de Nietzsche, justifiquei-me.
Bem, por causa dessa enorme dor de Beatriz – com os filhos à beira do fim –, eu quis mudar de assunto, mas ela insistiu em saber mais sobre a minha opinião nessa seara da religião, da fé, da metafísica. Em poucos minutos, acredito que pude lhe trazer um bálsamo, digamos, mais descolado.
Eu disse a ela que as pesquisas da ONU demonstram uma proporção direta entre os ateus e os países mais desenvolvidos (onde o analfabetismo e a corrupção são quase zero). Na Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega, por exemplo, a taxa de ateísmo oscila entre 70% e 90% da população.
Em países como a Alemanha, Japão, França, República Tcheca, Áustria, Suíça, Canadá e Holanda, o índice de ateus também é alto (acima de 60%). O oposto ocorre nas Filipinas, Brasil, México, Portugal, África e os demais países latinos, onde os crédulos representam 85% da população (ou mais).
– Então a fé e a religião são atributos de pessoas que vivem em nações subdesenvolvidas?!?!, questionou-me.
– Não, necessariamente. A fé é uma necessidade...! Até porque a Itália e a Espanha são bem desenvolvidas e, ao mesmo tempo, as nações com menor índice de ateus do planeta. Por sua vez, a corrupção é originariamente italiana e espanhola, respondi, com a força necessária que a resposta exigia.
– Isso é bíblico, não é?
– No livro de Lucas, se não me engano, Jesus Cristo disse que veio ao mundo para os cegos e oprimidos.
– E ninguém está tão oprimida quanto eu, concluiu Beatriz, às lágrimas, e orando muito, com sua crença inabalável.
– “A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer”, comentei, citando Vinícius de Moraes, tentando assim reconfortá-la com o verso do poeta xará do seu filho!
Beatriz foi-se embora, mas anteontem me ligou quase agonizante. Disse-me que Bartolomeu e Vinícius precisam, coincidentemente, de um transplante raro de pâncreas nas próximas horas para sobreviverem, e que só há um doador em potencial (o cara está hospitalizado no Sírio Libanês, em São Paulo).
E o que é mais dramático: se o paciente paulista falecer, o transplante terá que ser feito primeiro em Vinícius, na capital baiana, porque ele tem melhores condições de recepcioná-lo no Hospital Aliança. Se houver rejeição, porém, o transplante será em Bartolomeu – no hospital público de Curitiba.
De fato, a situação de Beatriz é triste, até porque morrerão seus dois filhos, caso a medicina paulista salve o paciente no Sírio Libanês. Mas, ora bolas, nada é tanto assim... Eu valorizo demais as minhas lágrimas para derramá-las por futebol ou fenômenos que não sejam dramas estéticos e/ou tragédias familiares.
Por isso, pedi a ela que abrisse o site do “Correio” e lesse a reportagem sobre uma catástrofe infinitamente pior do que a sua. Sem dúvida, a notícia de que dois irmãos jovens perderam a vida naquela sexta-feira (05/12/2014) num acidente próximo a Milagres é a verdadeira tragédia. Isso, sim, abala, dói, corrói-nos...
Os povos dos países desenvolvidos substituíram a fé pela razão, mas, infelizmente, alguns deles concorrem com o submundo latino quando o tema é o futebol. A burguesia é a favela endinheirada. Muitos europeus de classe alta passeiam hoje de mãos dadas com Binha de São Caetano, em lágrimas vis...
Os estádios de futebol são a nova barca de Dante Alighieri, na tela de Delacroix (foto)! Por isso, antes de desligar o telefone, eu disse a ela algo mais ou menos assim, como se falasse a todos os torcedores de futebol: “Esqueça seus filhos, minha amiga, porque o verdadeiro drama é você própria, em forma de canção-quase-ópera, Beatriz”.
Marconi De Souza Reis
Jornalista e Advogado
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