15 de janeiro de 2015

OPINIÃO: "Não se deve brincar com coisas assim"

Charge: internet
Nada justifica o massacre dos editores franceses. Mas não tenho dúvida de que eles infelizmente pagaram caro por não respeitaram dogmas religiosos que para eles eram banais, mas para outros eram sagrados. Não se deve brincar com coisas assim, porque há, entre os ofendidos, quem leve muito a sério esse tipo de brincadeira. Pelo que vi até agora, depois da tragédia, os discursos se unem de um lado contra o terrorismo (o que parece óbvio), de outro lado pela relativização da liberdade de expressão (buscando critérios objetivos de censura, não tão óbvio assim). 

Muita conversa mole que não vai dar em nada, porque o fundamental na questão nada tem a ver com critérios de liberdade de expressão ou evitar abuso de direito. É um problema de educação e respeito com valores alheios, basicamente isso. O problema é antes de tudo Ético e Moral. Há certas brincadeiras de mau gosto que, mesmo quando acobertadas pelo Direito (não sejam juridicamente proibidas) são desrespeitosas e podem gerar violência social. Logo, o Direito sozinho (sob a forma de censura prévia ou responsabilidade a posteriori) não irá impedir a violência, aliás, pode até em alguns casos aumentá-la (quando a censura soa como afronta e induz ao enfrentamento entre grupos culturais). 

Mas então, o que fazer? Primeiro, esqueçamos o Direito como solução nesses casos, porque cada país adota o seu modelo de liberdades, e como na França pós-68 a liberdade de expressão é praticamente um direito absoluto, deu no que deu. Nada vai mudar enquanto não se promover uma sólida campanha educativa que enalteça o RESPEITO acima dos direitos. Há coisas a que tenho direito, que eu posso (juridicamente) fazer, mas não devo (moralmente) fazer. Vejamos uma analogia com o futebol. Imagine que seu time deu uma goleada no adversário, deixando a torcida deste emocionalmente destruída e humilhada (o 7x1 da Alemanha, por exemplo). Pois bem, a torcida do time vencedor tem todo o direito de sacanear a do time vencido e o simples ato de sacanear (apenas provocações banais, sem ofensas, palavras de racismo etc.) jamais poderia configurar propriamente um abuso de direito. Mas será que esse direito não deveria ser exercido com alguma cautela ou sequer exercido em certos casos mais sensíveis? Haveria limites morais para essa faculdade juridicamente plena? 

Dizem que naquela goleada a Alemanha "tirou o pé" no meio do jogo, para não nos humilhar ainda mais. Se tivesse dado 20x1, não teria descumprido qualquer norma jurídica (não haveria abuso de direito). Mas preferiu não fazer, e talvez tenha agido assim por RESPEITO à torcida brasileira. É esse tipo de respeito que faltou por parte dos cartunistas franceses, que brincaram com coisas que deveriam respeitar, ainda que tivessem o direito de brincar. Em suma, há direitos que não devem ser exercidos, não porque sejam proibidos (ou censurados juridicamente), mas por uma questão de educação.

Durval NetoDurval Neto
Prof. de Direito Administrativo - UFBA,
Juiz Federal - TRF 1ª Região e músico.

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