"Há uma injustiça muito grande quanto se diz respeito ao direito
à ampla defesa e ao contraditório"
O Advogado Claudino Narcizo divide seu tempo entre o Direito e a Teologia |
O nosso blog entrevistou esta semana, através da rede social, o advogado Claudino Narcizo dos Santos Júnior, 33 anos, neto do
lendário Sérgio Narciso, político e autodidata, que marcou época durante boa
parte do século passado em Serra Preta. Narcizo Jr, que carrega o nome de seu
pai, Promotor aposentado do Estado da Bahia, é um jovem advogado, com grande
destaque na região de Itaberaba, Chapada Diamantina. Especialista em Direito
Penal e Pós-graduado em Direito Processual Penal, ainda se dedica ao estudo
religioso, como graduando em Teologia. Quando encontra tempo, adora viajar e
conhecer lugares diferentes. Esta semana, Narcizo Jr carimbou de vez sua
promissora carreira ao inocentar um Réu, acusado pela Promotoria de homicídio
duplamente qualificado. O episódio abalou a pequena cidade de Iacu, Bahia, há
mais de 20 anos. Além do julgamento, Narcizo Jr também comentou rapidamente sobre
justiça, o direito a ampla defesa e a Semana Nacional do Júri. Vale a pena conferir.
Blog: Como
o Senhor avalia a Semana Nacional do Júri, promovido pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ)?
Narcizo
Jr: Muito
produtiva, porque além da Semana do Júri, o CNJ também promoveu o Mutirão
Carcerário, ocasião em que diversos presos que já possuíam o direito, por
exemplo, da progressão de regime tiveram seu direito atendido. Esta foi
primeira iniciativa do CNJ, esperamos que não leve mais 20 anos para fazer à
segunda, porque precisamos de pelo menos uma vez por ano de uma atitude dessa.
A Justiça
da cidade Iaçu, em sintonia ao Conselho Nacional de Justiça, julgou um processo
de 20 anos atrás que repercutiu bastante na época. Como foi o caso mesmo?
Narcizo
Jr: O caso
chocou a pequena cidade de Iaçu porque, além dos envolvidos serem pessoas
conhecidas, todo acontecimento se iniciou com brigas de um casal que estava se
divorciando, o que fez ainda mais crescer os comentários na cidade. Tudo se
iniciou quando um casal, com três filhos, começou a ter desentendimentos
conjugais. A esposa, não mais aguentando a situação, passou a ter uma vida de
solteira, o que causava bastante ciúmes de seu marido. Diante disso e por baixo
de inúmeras confusões, decidiram se separar. Trinta dias após a separação, a ex-esposa
passa pela frente da casa de seu ex-marido com um rapaz de 17 anos, dito seu
namorado na época, e faz provocações, quando tudo começou. O ex-marido,
trabalhador da zona rural, andava com uma faca na cintura, sacando-a e
desferindo vários golpes contra a mulher e o rapazinho, vindo esta a falecer no
local e a mulher socorrida ainda com vida. Enfim, o caso chamou bastante
atenção porque de um rompimento conjugal nasceu uma tragédia que afetou duas
famílias daquela cidade.
Claudino Narcizo defendeu a legítima defesa do acusado |
Por que o
Senhor aceitou este desafio?
Narcizo
Jr: Aceitei
o desafio por dois motivos: primeiro porque alguns colegas, em conversa com a
família, confirmaram que certamente ele seria condenado e achei isso um desafio
para mim. Segundo, pelo fato de minha família conhecer o caso e o acusado, o
qual sempre foi uma pessoa muito honesta e trabalhadora, apesar do ocorrido.
Então, todo ambiente estava propício para que eu ultrapasse meus limites como
profissional e pegasse um caso com essa dificuldade.
O Senhor
achava que os jurados iam aceitar seu raciocínio jurídico?
Narcizo
Jr: Em que
pese haver uma dificuldade processual de provar a tese da legítima defesa, fui
muito confiante, porque eu não poderia sair do escritório sem acreditar no que
estava fazendo, pois não iria conseguir passar uma verdade para os jurados.
Tenho comigo um compromisso de nunca fazer uma defesa sem que eu realmente não
acredite na sua existência, ou seja, nunca irei criar uma defesa sem que ela
tenha um fundo de verdade, seja uma verdade processual ou real.
O que o
Ministério Público alegou sobre o episódio?
Narcizo
Jr: O
Ministério denunciou o acusado por homicídio duplamente qualificado e uma
tentativa também duplamente qualificada, situação que levaria a uma pena de
aproximadamente 20 anos.
Como se
deu o embate entre o Senhor, advogado de defesa, e a acusação?
Narcizo
Jr: A
acusação, muito bem preparada e exercida por uma promotora muito competente,
Dra Bianca Geisa, usou seu tempo para descrever os atos do acusado e traçar o
perfil frio e ciumento do mesmo. Trouxe para os jurados uma cena em que o
acusado, apenas por ciúmes de sua ex-esposa, cometeu o crime. Frisou, ainda,
que pelo fato do crime ser cometido por arma branca, uma faca, tornaria ainda
mais cruel à atitude do Réu. A defesa, por outro lado, traçou o perfil do
acusado como sendo pessoa calma, honesta, trabalhadora e que jamais, nem antes
ou depois do ocorrido, tivera qualquer problema dessa natureza, frisando ainda
que na época quase toda cidade trabalhava em sua propriedade. Traçou, ainda, o
perfil da ex-esposa, como uma mulher mal falada e que a cidade inteira a tinha
como desonesta quanto ao comportamento social. Demonstrou, com os próprios
depoimentos das testemunhas de acusação, que a ex-esposa provocava o Réu sempre
e que neste dia ela teria armado contra ele, influenciando o seu namorado de
apenas 17 anos a dar uma surra no acusado, razão pela qual se vislumbrou a
legítima defesa. O embate foi intenso, com o uso do tempo de réplica e
tréplica, mas ao final os jurados decidiram em acatar a tese de legítima
defesa, absolvendo o Réu dos dois crimes.
O
resultado foi justo?
Narcizo
Jr: Sim,
creio ter sido justo o resultado, mas não temos como falar em uma justiça
completa com uma morosidade de 22 anos do Poder Judiciário para dar uma
resposta à sociedade, bem como não temos como falar em justiça completa quando
temos um jovem morto com 17 anos de idade de uma forma tão desastrosa. Creio
ter havido justiça quanto à absolvição do acusado, pois ele próprio teve sua
vida destruída e nada mais justo do que acabar com essa condenação social e
psicológica que lhe pesava por mais de 20 anos. Do outro lado, a família do
jovem que faleceu poderá enfim recomeçar e tentar encerrar definitivamente o
caso.
O Senhor
acha que há brasileiros inocentes mofando na cadeia por falta de defesa
técnica, ou seja, um bom advogado?
Narcizo
Jr: Sem
dúvida nenhuma. Há uma injustiça muito grande quanto se diz respeito ao direito
à ampla defesa e ao contraditório, pois quem tem poder financeiro terá a
oportunidade de ter um advogado que irá passar noites estudando seu caso e que
se esforçará ao máximo alcançar o objetivo pretendido com êxito. Enquanto isso,
os que carecem dessa condição, têm que contar com uma defensoria pública
abarrotada de trabalho que na maioria das vezes não tem condições sequer de
analisar o caso com mais profundidade, sem contar com a falta de defensores em
quase todas as comarcas do País. Há presos que precisam apenas de um pedido
simples de liberdade provisória ou de progressão de regime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Participe do blog deixando sua mensagem, nome e localidade de onde escreve. Agradecemos.