22 de março de 2014

ENTREVISTA: Advogado comenta caso que "chocou a pequena cidade de Iaçu"

CLAUDINO NARCIZO DOS SANTOS JÚNIOR

 "Há uma injustiça muito grande quanto se diz respeito ao direito à ampla defesa e ao contraditório"

O Advogado Claudino Narcizo divide seu tempo entre o Direito e a Teologia
O nosso blog entrevistou esta semana, através da rede social, o advogado Claudino Narcizo dos Santos Júnior, 33 anos, neto do lendário Sérgio Narciso, político e autodidata, que marcou época durante boa parte do século passado em Serra Preta. Narcizo Jr, que carrega o nome de seu pai, Promotor aposentado do Estado da Bahia, é um jovem advogado, com grande destaque na região de Itaberaba, Chapada Diamantina. Especialista em Direito Penal e Pós-graduado em Direito Processual Penal, ainda se dedica ao estudo religioso, como graduando em Teologia. Quando encontra tempo, adora viajar e conhecer lugares diferentes. Esta semana, Narcizo Jr carimbou de vez sua promissora carreira ao inocentar um Réu, acusado pela Promotoria de homicídio duplamente qualificado. O episódio abalou a pequena cidade de Iacu, Bahia, há mais de 20 anos. Além do julgamento, Narcizo Jr também comentou rapidamente sobre justiça, o direito a ampla defesa e a Semana Nacional do Júri. Vale a pena conferir.

Blog: Como o Senhor avalia a Semana Nacional do Júri, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?
Narcizo Jr: Muito produtiva, porque além da Semana do Júri, o CNJ também promoveu o Mutirão Carcerário, ocasião em que diversos presos que já possuíam o direito, por exemplo, da progressão de regime tiveram seu direito atendido. Esta foi primeira iniciativa do CNJ, esperamos que não leve mais 20 anos para fazer à segunda, porque precisamos de pelo menos uma vez por ano de uma atitude dessa.

A Justiça da cidade Iaçu, em sintonia ao Conselho Nacional de Justiça, julgou um processo de 20 anos atrás que repercutiu bastante na época. Como foi o caso mesmo? 
Narcizo Jr: O caso chocou a pequena cidade de Iaçu porque, além dos envolvidos serem pessoas conhecidas, todo acontecimento se iniciou com brigas de um casal que estava se divorciando, o que fez ainda mais crescer os comentários na cidade. Tudo se iniciou quando um casal, com três filhos, começou a ter desentendimentos conjugais. A esposa, não mais aguentando a situação, passou a ter uma vida de solteira, o que causava bastante ciúmes de seu marido. Diante disso e por baixo de inúmeras confusões, decidiram se separar. Trinta dias após a separação, a ex-esposa passa pela frente da casa de seu ex-marido com um rapaz de 17 anos, dito seu namorado na época, e faz provocações, quando tudo começou. O ex-marido, trabalhador da zona rural, andava com uma faca na cintura, sacando-a e desferindo vários golpes contra a mulher e o rapazinho, vindo esta a falecer no local e a mulher socorrida ainda com vida. Enfim, o caso chamou bastante atenção porque de um rompimento conjugal nasceu uma tragédia que afetou duas famílias daquela cidade.

Claudino Narcizo defendeu a legítima defesa do acusado
Por que o Senhor aceitou este desafio? 
Narcizo Jr: Aceitei o desafio por dois motivos: primeiro porque alguns colegas, em conversa com a família, confirmaram que certamente ele seria condenado e achei isso um desafio para mim. Segundo, pelo fato de minha família conhecer o caso e o acusado, o qual sempre foi uma pessoa muito honesta e trabalhadora, apesar do ocorrido. Então, todo ambiente estava propício para que eu ultrapasse meus limites como profissional e pegasse um caso com essa dificuldade.

O Senhor achava que os jurados iam aceitar seu raciocínio jurídico? 
Narcizo Jr: Em que pese haver uma dificuldade processual de provar a tese da legítima defesa, fui muito confiante, porque eu não poderia sair do escritório sem acreditar no que estava fazendo, pois não iria conseguir passar uma verdade para os jurados. Tenho comigo um compromisso de nunca fazer uma defesa sem que eu realmente não acredite na sua existência, ou seja, nunca irei criar uma defesa sem que ela tenha um fundo de verdade, seja uma verdade processual ou real.

O que o Ministério Público alegou sobre o episódio? 
Narcizo Jr: O Ministério denunciou o acusado por homicídio duplamente qualificado e uma tentativa também duplamente qualificada, situação que levaria a uma pena de aproximadamente 20 anos.

Como se deu o embate entre o Senhor, advogado de defesa, e a acusação? 
Narcizo Jr: A acusação, muito bem preparada e exercida por uma promotora muito competente, Dra Bianca Geisa, usou seu tempo para descrever os atos do acusado e traçar o perfil frio e ciumento do mesmo. Trouxe para os jurados uma cena em que o acusado, apenas por ciúmes de sua ex-esposa, cometeu o crime. Frisou, ainda, que pelo fato do crime ser cometido por arma branca, uma faca, tornaria ainda mais cruel à atitude do Réu. A defesa, por outro lado, traçou o perfil do acusado como sendo pessoa calma, honesta, trabalhadora e que jamais, nem antes ou depois do ocorrido, tivera qualquer problema dessa natureza, frisando ainda que na época quase toda cidade trabalhava em sua propriedade. Traçou, ainda, o perfil da ex-esposa, como uma mulher mal falada e que a cidade inteira a tinha como desonesta quanto ao comportamento social. Demonstrou, com os próprios depoimentos das testemunhas de acusação, que a ex-esposa provocava o Réu sempre e que neste dia ela teria armado contra ele, influenciando o seu namorado de apenas 17 anos a dar uma surra no acusado, razão pela qual se vislumbrou a legítima defesa. O embate foi intenso, com o uso do tempo de réplica e tréplica, mas ao final os jurados decidiram em acatar a tese de legítima defesa, absolvendo o Réu dos dois crimes.
 
Justiça demorou 22 anos para julgar o caso
O resultado foi justo? 
Narcizo Jr: Sim, creio ter sido justo o resultado, mas não temos como falar em uma justiça completa com uma morosidade de 22 anos do Poder Judiciário para dar uma resposta à sociedade, bem como não temos como falar em justiça completa quando temos um jovem morto com 17 anos de idade de uma forma tão desastrosa. Creio ter havido justiça quanto à absolvição do acusado, pois ele próprio teve sua vida destruída e nada mais justo do que acabar com essa condenação social e psicológica que lhe pesava por mais de 20 anos. Do outro lado, a família do jovem que faleceu poderá enfim recomeçar e tentar encerrar definitivamente o caso.

O Senhor acha que há brasileiros inocentes mofando na cadeia por falta de defesa técnica, ou seja, um bom advogado? 
Narcizo Jr: Sem dúvida nenhuma. Há uma injustiça muito grande quanto se diz respeito ao direito à ampla defesa e ao contraditório, pois quem tem poder financeiro terá a oportunidade de ter um advogado que irá passar noites estudando seu caso e que se esforçará ao máximo alcançar o objetivo pretendido com êxito. Enquanto isso, os que carecem dessa condição, têm que contar com uma defensoria pública abarrotada de trabalho que na maioria das vezes não tem condições sequer de analisar o caso com mais profundidade, sem contar com a falta de defensores em quase todas as comarcas do País. Há presos que precisam apenas de um pedido simples de liberdade provisória ou de progressão de regime.

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