Marília Neves disse que Marielle era 'engajada com bandidos' e que Jean Willys merecia 'paredão'
Para advogado, Marília Neves cometeu crime contra a honra de Marielle - REPRODUÇÃO/Facebook |
Rio - A desembargadora Marília Neves, do Tribunal de
Justiça do Rio, disse que não está arrependida de ter feito um comentário
afirmando que a vereadora Marielle foi eleita pelo tráfico. Na sexta-feira, a
magistrada comentou no Facebook: "A questão é que a tal Marielle não era
apenas uma 'lutadora'; ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo
Comando Vermelho e descumpriu 'compromissos' assumidos com seus
apoiadores", escreveu, sobre falsas informações divulgadas na internet.
Ao DIA, ela disse que reproduziu comentários
que estavam disponíveis na internet e que "ninguém contestou a veracidade
deles. Nem o Psol, nem a família (de Marielle)".
Indagada se havia mudado de opinião após os boatos serem desmentidos,
respondeu que "não tem opinião". "(Risos) Eu não tenho opinião,
eu nem conhecia, eu nunca tinha ouvido falar dessa criatura. Eu não tenho
opinião a respeito".
Marília disse que não se expressou como desembargadora.
"Em momento algum eu disse que era magistrada. Em momento algum eu me
referi ao meu cargo. Ali eu estava discutindo como uma cidadã comum que paga
imposto e que lê o Facebook", completou.
A reportagem perguntou se, como cidadã, ela se arrependia de ter feito
o comentário, agora que ela sabe que é apenas fake news. A resposta foi
"não". "Por que eu deveria me arrepender de ter feito um
comentário? É só um comentário reproduzindo um outro. Eu não estou me sentindo
culpada por nada. Eu não criei o comentário. Se é boato, se alguém criou, o
autor da criação que pode ou não estar arrependido. Eu, por quê?".
A desembargadora conta que tem sofrido ameaças e xingamentos desde que
deixou sua opinião registrada. O PSol já entrou com representação contra a
magistrada.
Em outro post, a desembargadora disse que o deputado Jean Willys
merecia ir para um paredão (de fuzilamento) "embora não valha a bala que o
mata". Sobre a postagem, disse que fez "uma ironia com o apoio
declarado do deputado ao regime cubano" e que não defende "o
paredão". Willys informou que vai apresentar queixa-crime contra Marília.
O advogado e militante dos Direitos Humanos, Rodrigo Mondego, disse que
Marília cometeu crime contra a honra de Marielle. "Um membro do Judiciário
não se arrepender de ferir a dignidade mostra como o próprio Estado favorece
que o Brasil seja líder em assassinatos de ativistas de Direitos Humanos".
Após responder às perguntas da reportagem, a desembargadora Marília
Neves enviou um texto à redação do DIA, para, segundo ela, apresentar sua
posição. Confira abaixo:
"Eu havia decidido não me manifestar
mais sobre a questão, mas em respeito aos incontáveis amigos - todos bem
notados - que fizeram questão de emprestar sua inestimável solidariedade a mim
e por amor à verdade, que sempre norteou minha vida pessoal e profissional,
vejo-me na contingência de voltar ao assunto da morte da vereadora Marielle
Franco.
Eu, como provavelmente a maioria da
população carioca, jamais havia ouvido falar da existência da vereadora até sua
morte ser noticiada na mídia.
Morta a vereadora, o partido a que
pertencia, o PSOL, iniciou perigosa mobilização nas redes sociais tendente à
culpar o Exército e a PM por seu homicídio, sem qualquer vestígio de prova.
Então, no facebook de um juiz aposentado
onde eu discutia a inversão de valores que hoje norteia a sociedade, pontuei -
inclusive reproduzindo posts que circulam na internet - que todos os dias
mulheres negras, comprometidas com a segurança da população, morrem
assassinadas e que sobre elas não se escreve uma única linha apenas por serem
policiais militares. Mencionei também, reproduzindo post que igualmente circula
na internet, a médica morta recentemente na linha amarela, tão guerreira e
socialmente importante quanto qualquer outro membro da sociedade, por quem não
havia sido acesa uma única vela. E, nessa discussão - que até onde sei
permanece disponível no face - fiz o comentário a respeito da vereadora,
reproduzindo informações disponíveis na mídia e que, até então, não haviam sido
contestadas nem pelo PSOL, nem pela família da vereadora, ou por quem quer que
seja.
Frise-se, a bem da verdade, que em momento
algum da discussão invoquei meu cargo ou sequer mencionei o fato de ser
magistrada. Naquele momento, no facebook, fora das minhas funções, não era,
evidentemente, a desembargadora que se manifestava mas uma cidadã como outra
qualquer, pagadora de impostos e com todo o direito, garantido
constitucionalmente, de emitir opiniões sobre os acontecimentos sociais.
E minha intenção foi, apenas e tão
somente, participar de uma discussão no facebook de um amigo e mostrar que,
segundo notícias veiculadas na internet - e não contestadas - a probalidade de
a vereadora haver sido morta pela PM ou pelo Exército era a mais remota.
A espetacularização do meu comentário que
se seguiu, isolado do contexto e com ênfase no fato de eu ser desembargadora, é
de todos conhecida, sendo igualmente óbvios os objetivos que mal se ocultam por
trás da mesma.
Isso era o que me cabia esclarecer, em
respeito à verdade e aos amigos cujas carinhosas manifestações me mantém firme
no propósito de continuar combatendo o bom combate!!!"
Em um novo comunicado, a desembargadora disse que 'repassou as
informações de forma precipitada'. Confira a íntegra:
"Diante das manifestações contra meu
comentário, proferido em uma discussão no facebook de um colega, a respeito da
morte da Vereadora Marielle Franco,venho declarar o que se segue: No afã de
defender as instituições policiais, ao meu ver injustamente atacadas, repassei
de forma precipitada, notícias que circulavam nas redes sociais.
A conduta mais ponderada seria a de
esperar o término das investigações, para então, ainda na condição de cidadã,
opinar ou não sobre o tema.
Reitero minha confiança nas instituições
policiais, esperando, como cidadã, que este bárbaro crime seja desvendado o
mais rápido possível. Independentemente do que se conclua das investigações, a
morte trágica de um ser humano é algo que se deve lamentar e seus
algozes merecem o absoluto rigor da lei."
Reclamação protocolada no CNJ
Por volta das 18h30 desta segunda-feira, o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) informou que uma reclamação disciplinar foi instaurada contra a
desembargadora. A ação será encaminhada diretamente à Corregedoria do CNJ.
A partir daí, o pedido poderá ser arquivado ou o plenário pode pedir
instauração de sindicância. Se punida, Marília Neves pode ser removida
compulsoriamente, ser afastada por por no mínimo dois anos com vencimentos
proporcionais ao tempo de serviço ou ser aposentada compulsoriamente com
vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.
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