22 de fevereiro de 2017

Alunos do ensino médio no Ceará criam lei municipal para valorizar a caatinga

Alunos plantam jardim com espécies nativas da caatinga na escola Lucas Emmanuel Lima Pinheiro, no município de Iguatu (Foto: divulgação - Alana)
Um grupo de estudantes do Ceará começou um conjunto de ações para valorizar a caatinga em seu município. Os meninos conseguiram não só transformar a educação ambiental dentro da escola. Eles ajudaram a criar leis e a mudar a forma como a cidade lida com o ecossistema.
A iniciativa nasceu há três anos a partir de uma aula de geografia na Escola Estadual de Educação Profissional Lucas Emmanuel Lima Pinheiro, no município de Iguatu, no interior do Ceará. A professora deveria apresentar os principais biomas do Brasil. Mas o livro didático adotado na escola não tinha informação aprofundada sobre a caatinga. Isso chamou a atenção do aluno Moisés Breno Barbosa de Souza, que estava então no 1º ano do ensino médio. “A professora tinha de buscar material por conta própria para abordar a caatinga. O livro não trazia o que era necessário”, diz. “Ali começamos a questionar: como a gente vai preservar o que não conhece?”
A caatinga ameaçada
Moisés se juntou com outros colegas e começou, com orientação da professora de geografia, a pensar em como melhorar a educação sobre a caatinga. O grupo cresceu com os colegas Carlos Miguel da Silva Moura, Dailton Rolim da Silva, Miqueias Breno Barbosa e Silas Vinicius Silva. Eles visitaram outras escolas do município para ver como era o ensino da caatinga. Fizeram visitas a áreas de preservação para entender melhor o bioma.
Uma das ações do grupo foi realizar uma pesquisa com o material didático e a percepção dos alunos de 1º ano das sete escolas de Iguatu. Primeiro, os alunos pediram para as escolas mandarem amostras do material didático. Em todas, a situação era a mesma. Os livros não traziam informações sobre o ecossistema onde os alunos viviam.
Uma pesquisa realizada pelos alunos do grupo com um questionário revelou o desconhecimento dos estudantes do município. Uma das perguntas pedia aos estudantes para citar animais nativos da caatinga. Cerca de 80% responderam que era a vaca. Um desconhecimento. O gado bovino foi trazido pelos colonizadores. Só ocupa a paisagem depois do desmatamento da vegetação nativa para abertura de pastagens. Os estudantes não lembraram nem de espécies relativamente famosas como a jaguatirica, o tatu-bola (a mascote Fuleco da Copa do Mundo), o sapo-cururu (estrela de uma cantiga popular), o urubu-rei ou a ararinha-azul (geograficamente deslocada para a Mata Atlântica carioca no desenho Rio) e a asa-branca (do clássico de Luiz Gonzaga).
A mascote da Copa está ameaçada
O grupo continuou suas pesquisas e decidiu criar ações para mudar a situação de desinformação geral. “Eles perceberam que não conheciam a caatinga. Que havia mais informação disponível sobre outros biomas, como a Floresta Amazônica ou a Mata Atlântica”, diz a professora Adriana Silva Oliveira, que orientou o grupo.
Um aspecto interessante da percepção dos alunos é que eles enxergavam a caatinga apenas como uma paisagem seca e morta. Numa das pesquisas, pediram aos alunos das escolas para desenharem a caatinga. Os desenhos mostravam plantas secas e animais mortos. “Eles só enxergavam a caatinga como a paisagem da época da estiagem. Não reconheciam a vegetação que brota no período das chuvas”, conta Adriana. Tradicionalmente, a caatinga se protege da seca de julho a dezembro e rebrota com força com as chuvas, de janeiro a junho. O ciclo, no entanto, está alterado. “Estamos no quinto ano de uma grande seca”, diz. Com isso, a chuva cai mesmo de janeiro a março. “Os alunos estão com menos oportunidade de ver a caatinga exuberante”, afirma. 
Da esquerda para a direita, a vereadora Cida Albuquerque, os alunos Carlos Miguel da Silva Moura e Moisés Breno Barbosa, o presidente da Câmara, Rubenildo Caldeira, e a professora Adriana Silva Oliveira (Foto: divulgação )
Os alunos resolveram agir pela boa política. Prepararam um projeto de lei e fizeram uma campanha na Câmara de Vereadores. O projeto, apresentado em dezembro de 2015, foi aprovado em março de 2016. A nova lei diz que a cidade deve ser arborizada com espécies nativas. Estabelece que a oitica, árvore típica da caatinga, vira o símbolo de Iguatu. Também cria um simpósio anual sobre o bioma no dia 28 de abril, dia da caatinga. Os próprios alunos foram acompanhar o plantio das árvores. Colocaram nelas placas com o nome das espécies – ipê, juazeiro, oiticica – além do número da lei. “A gente espera desenvolver uma nova identidade das pessoas com a caatinga”, diz Adriana. “Precisamos disso como estratégia de desenvolvimento. Com a carência de água, precisamos usar a caatinga sem degradá-la.”
Na escola, organizaram um jardim de espécies endêmicas da caatinga, como xiquexique, palma e mandacaru.
O trabalho deles foi um dos premiados no projeto nacional Criativos na Escola, promovido pelo Instituto Alana. Também foi um dos destaques da Mostratec, feira de ciência e tecnologia realizada anualmente pela Fundação Liberato, na cidade de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul.
“Os professores estão mudando a didática. Dando mais ênfase à caatinga”, diz Moisés. Hoje com 17 anos e terminando o ensino médio, ele e seus colegas estão fazendo a transição do projeto para os outros alunos. “Estamos capacitando a turma do 2º ano de eletrotécnica para dar continuidade”, afirma. “O projeto não é nosso. É de todos.”
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