25 de outubro de 2016

PARA NÃO CAIR NO ESQUECIMENTO: Professor Quintanilha faz um balanço sobre a cobrança nos estacionamentos dos Shopping Centers

Professor Quintanilha debate sobre o tema na Câmara de Vereadores de Salvador
Em junho de 2015 todos nós, cidadãos baianos, fomos surpreendidos com o início de uma cobrança repentina autorizada por alvará da prefeitura a que todos os 8 grandes Shopping Centers de Salvador pudessem se transformar de "centro comercial" com "consumidores" de fato (no momento que adquirem produtos ou serviços nas lojas desse Pool) e "consumidores em potencial" que igualmente àqueles tantas e tantas vezes passam horas e horas olhando vitrines, experimentando de roupas à joias, smartphones, enfim, toda uma gama de mercadorias para num certo dia, às vezes até pra fazer comparação de preços e negociar com as lojas, voltar e enfim concretizar a compra do que escolheram de uma só vez. Estes também são legítimos "consumidores", ou, numa linguagem própria do comércio: clientes, que, segundo a regra básica do bom atendimento "sempre têm razão".

Pois bem, como todos sabem a ABRASCE (associação muito poderosa que engloba os principais grupos econômicos de construtoras do País, como os grupos JCPM e Jereissati, apenas para citar dois) financiou uma caríssima e intensa propaganda em rádio, TV e jornal a fim de convencer os cidadãos leigos de nossa Salvador: "por decisão do STF, os shoppings agora passarão a cobrar pelo estacionamento para melhorar os serviços prestados a você" (mais ou menos essa a mensagem). Isso foi tão repetido que, como disse o famoso Ministro da Comunicação nazista "uma mentira repetida várias vezes vira uma verdade".

O povo, leigo em Direito e se sentido submetido ao que seria uma "decisão do Supremo" se sentiu obrigada a "engolir" essa história e passou, no início da maior crise econômica da história recente do Brasil, a pagar R$ 6,00 em média por cada 2h de carro parado nas vagas dos shoppings para, pasmem, fazer compras em suas próprias lojas. Acontece que não imaginaram tais "poderosos" que íamos, de modo imediato e corajoso, através de nossa associação de defesa de direitos dos consumidores da Bahia, ingressar com uma Ação Civil Pública tão substanciosa quanto indefensável: ora, o que o STF decidiu foi o mesmo que para os outros estados: garantiu o direito de propriedade, arguido em relação a uma lei de 1994 (época de Lídice da Mata) que previa a gratuidade de estacionamento em shopping.

Então, onde está o erro, a violação à lei, a antijuridicidade? Muitas! Ei-las: a Lei de Ordenação do Uso do Solo Urbano, municipal, que segue por simetria, o ditame do "Estatuto das Cidades"-2001 (regulamenta os arts. 182 e 183 da CF/88) que, não só exige a "oferta de vagas" por todos os estabelecimentos comerciais (que dirá shoppings), vez que causam nítido impacto na trafegabilidade, no fluxo do trânsito e necessidade de estacionamento, portanto, caso contrário, nas vias públicas para atender interesse econômico que lhe é próprio, como também determina expressamente em seu Art. 2o, inciso VI, alínea "d" que: "a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente". Não há nenhuma inconstitucionalidade decretada pelo STF em relação ao excelente texto do Estatuto das Cidades de 2001 plenamente vigente, nem pelo TJ/BA em relação à Lei de Ordenamento Urbano de Salvador. Uma coisa é a licença para construir e operar um empreendimento imobiliário-comercial imenso como um shopping, causador de enorme impacto urbano sem nenhuma contrapartida social, que já receberam, outra é a licença que uma "empresa de estacionamento pago" recebe para operar em terrenos sem vagas nas vias públicas.

Situações e atos administrativos completamente distintos em fundamento, teor e forma e que NADA tem a ver com a inconstitucionalidade julgada pelo STF no RE 684454/BA que reitera APENAS o entendimento óbvio da Corte de que o "município não pode legislar sobre Direito Civil". Trata-se, sim, de Direito do Consumidor, que já está legislado pela nossa brilhante e principiológica lei federal de 1990 (CDC) baseada nos usos e costumes comerciais e inspirado na mensagem histórica de Keneddy (1962) de que "todos somos consumidores", reafirmando-se no Direito Positivo em 1973 na 29a Sessão de Genebra (ONU) e, por fim, na Resolução da ONU 39/248 de 1985 sobre a Proteção ao Consumidor, tornando esta uma coletividade com interesse processual e, portanto, direito internacional e constitucional de ação coletiva.

A cobrança repentina não só quebra o pacto costumeiro - e o Costume também consolida e garante os direitos - como cria um novo estamento e desequilibra a relação econômica de consumo entre o shopping e suas lojas (fornecedor) e o pretenso cliente (consumidor), causando-lhe prejuízo injusto e abusivo ferindo frontalmente o Art. 39 do CDC, além das outras duas leis referidas federal - o Estatuto - e municipal - a Lei de Ordenamento Urbano (em nada declaradas inconstitucionais), em especial os seus incisos: I, II, IV, V e X, na prática de uma verdadeira "prática abusiva" ao elevar sem justa causa o preço final dos produtos e serviços de forma embutida no preço final, quando passa a cobrar do consumidor pela mesma vaga que já cobra do lojista na "taxa de condomínio" que continua a mesma sem qualquer abatimento ou redução de custo aos lojistas; ao vinculá-lo necessariamente a um serviço diverso (estacionamento) ao qual não concordou em contratar, forçando-o à aquisição deste serviço para que realize o consumo, condicionando um a outro, valendo-se, para tanto da falta de vagas na via pública (por se tratar de shopping não preparada anteriormente para este fim), prevalendo-se de sua fraqueza ou ignorância para condicioná-lo a contratação do serviço novo de estacionamento, ainda que dentro de suas instalações, tendo em vista ainda a necessária obediência à função social da propriedade.

Não bastasse tudo isso, a prática foi ratificada pela Prefeitura após um TAC que não foi devidamente publicizado, segundo o qual "em troca" dessa benesse - liberação do alvará - tais grupos econômicos donos dos shoppings (construtoras) fariam investimentos milionários em certas "obras públicas" a que até hoje não se tem conhecimento. E tudo isso ocorre - do RE do STF decidido sem chamar as partes que sofrem com a repercussão dada a sua decisão - todos os consumidores, ou seja, "todos nós" segundo Kennedy, e também os trabalhadores de lojas e dos shoppings que também perderam de repente seu direito à estacionar carro (Art. 458 da CLT), violando-se por via transversa e unilateral o contrato individual de trabalho de todos eles - ao início e continuidade da cobrança das nada menos de 28.000 vagas rotativas exploradas diretamente pelos shoppings e, em alguns casos, por empresas de donos não identificados, cobrança indevida e abusiva que se arrasta até hoje (16 meses) sem qualquer questionamento por parte do Ministério Público e mesmo dos lojistas ou de suas associações por medo destes últimos de se insurgirem contra os shoppings e perderem seus pontos comerciais, como me confidenciou Juliana Moraes* (nome fictício, a pedido, por sigilo de fonte).

Diante disso, representamos também formalmente em julho de 2015 ao Ministério Público do Trabalho que, atendendo ao nosso pedido, por entender cabível, montou uma força-tarefa de eminentes procuradores que passaram a tentar em diversas audiências da qual me fiz presente a algumas uma conciliação sem que esses grupos econômicos cedessem na sua ânsia e sede de enriquecer de modo indevido e através de um "bis in idem", que é defeso, por cobrar duplamente pelo mesmo serviço além de todas as violações mencionadas com a prática dos mais diversos ramos do Direito. Sem êxito a mediação, foram impetradas ações civis públicas contra todos os 7 shoppings, como requeremos no pedido inicial, perante a Justiça do Trabalho de Salvador que passou a garantir o direito dos trabalhadores, sendo a primeira liminar concedida pela 2a Vara do Trabalho (caso do Shopping da Bahia), que foi imediatamente questionada pela ABRASCE ao TRT por via do mandado de segurança, que, sem a completa compreensão da complexidade envolvida, foi concedido EM PARTE em favor dos shoppings, mas mantendo a obrigação dos lojistas em pagar os estacionamentos de seus funcionários, decisão primeira está dada em juízo perfunctório pelo Desembargador do Trabalho Pires Ribeiro.

Conversei com o Desembargador Federal do Trabalho que, após, pediu que fosse  pautado (levado o caso) à discussão urgente do colegiado competente para o julgamento (SD-2) para discutir a matéria com a profundidade devida, tendo em vista a complexidade da matéria jurídica e a repercussão social e coletiva envolvidas e perante à qual estamos nos habilitando como Amicus Curiae em defesa do direito dos trabalhadores violado. Ao mesmo tempo, dias atrás, depois de entender a Ilma. Magistrada de primeiro grau responsável pelo julgamento da Ação Civil Pública (ACP) mencionada que impetramos imediatamente após o início da cobrança que, em resumo, "os consumidores não tinham legitimidade processual" - pasmem - para discutir a questão decidindo extinguir o processo.

Irresignados com tal decisão recorremos ao Tribunal de Justiça da Bahia e fui pessoalmente até o desembargador relator que se convenceu de nossa tese e determinou que voltasse o processo para que a juíza se manifestasse, retornando àquela corte máxima de Justiça estadual, caso mantenha a sua decisão de arquivamento, para julgamento do mérito. Também nos habilitaremos como Amicus Curiae e faremos, nas duas Justiças, estadual e do Trabalho, como já fizemos em audiências e na Tribuna da Câmara dos Vereadores sobre o mesmo assunto a defesa oral e escrita incontestável em defesa da gratuidade devida.


Aguardem, em breve, os próximos capítulos! Vamos até o fim e mostraremos, todos nós, com nossa inteligência e força, consumidores e também trabalhadores de lojas, dos shoppings, motoboys que estão tendo suas atividades inviabilizadas, bancários e até mesmo os lojistas, vítimas da opressão desse poderoso grupo de poder econômico, que a Lei e o Direito é maior que todos e cada um deles e de suas fortunas e egoísmos individuais. 

Henrique Quintanilha
Advogado e Professor de Direito
Contato: quintanilhahenrique@gmail.com

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