Professor Quintanilha debate sobre o tema na Câmara de Vereadores de Salvador |
Em junho de 2015 todos nós, cidadãos baianos, fomos surpreendidos com o
início de uma cobrança repentina autorizada por alvará da prefeitura a que
todos os 8 grandes Shopping Centers de Salvador pudessem se transformar de
"centro comercial" com "consumidores" de fato (no momento
que adquirem produtos ou serviços nas lojas desse Pool) e "consumidores em
potencial" que igualmente àqueles tantas e tantas vezes passam horas e
horas olhando vitrines, experimentando de roupas à joias, smartphones, enfim,
toda uma gama de mercadorias para num certo dia, às vezes até pra fazer
comparação de preços e negociar com as lojas, voltar e enfim concretizar a
compra do que escolheram de uma só vez. Estes também são legítimos
"consumidores", ou, numa linguagem própria do comércio: clientes,
que, segundo a regra básica do bom atendimento "sempre têm razão".
Pois bem, como todos sabem a ABRASCE (associação muito poderosa que
engloba os principais grupos econômicos de construtoras do País, como os grupos
JCPM e Jereissati, apenas para citar dois) financiou uma caríssima e intensa
propaganda em rádio, TV e jornal a fim de convencer os cidadãos leigos de nossa
Salvador: "por decisão do STF, os shoppings agora passarão a cobrar pelo
estacionamento para melhorar os serviços prestados a você" (mais ou menos
essa a mensagem). Isso foi tão repetido que, como disse o famoso Ministro da
Comunicação nazista "uma mentira repetida várias vezes vira uma
verdade".
O povo, leigo em Direito e se sentido submetido ao que seria uma
"decisão do Supremo" se sentiu obrigada a "engolir" essa
história e passou, no início da maior crise econômica da história recente do
Brasil, a pagar R$ 6,00 em média por cada 2h de carro parado nas vagas dos
shoppings para, pasmem, fazer compras em suas próprias lojas. Acontece que não
imaginaram tais "poderosos" que íamos, de modo imediato e corajoso,
através de nossa associação de defesa de direitos dos consumidores da Bahia,
ingressar com uma Ação Civil Pública tão substanciosa quanto indefensável: ora,
o que o STF decidiu foi o mesmo que para os outros estados: garantiu o direito
de propriedade, arguido em relação a uma lei de 1994 (época de Lídice da Mata)
que previa a gratuidade de estacionamento em shopping.
Então, onde está o erro, a violação à lei, a antijuridicidade? Muitas!
Ei-las: a Lei de Ordenação do Uso do Solo Urbano, municipal, que segue por
simetria, o ditame do "Estatuto das Cidades"-2001 (regulamenta os
arts. 182 e 183 da CF/88) que, não só exige a "oferta de vagas" por
todos os estabelecimentos comerciais (que dirá shoppings), vez que causam
nítido impacto na trafegabilidade, no fluxo do trânsito e necessidade de
estacionamento, portanto, caso contrário, nas vias públicas para atender
interesse econômico que lhe é próprio, como também determina expressamente em
seu Art. 2o, inciso VI, alínea "d" que: "a instalação de
empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de
tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente". Não há nenhuma
inconstitucionalidade decretada pelo STF em relação ao excelente texto do
Estatuto das Cidades de 2001 plenamente vigente, nem pelo TJ/BA em relação à
Lei de Ordenamento Urbano de Salvador. Uma coisa é a licença para construir e
operar um empreendimento imobiliário-comercial imenso como um shopping,
causador de enorme impacto urbano sem nenhuma contrapartida social, que já
receberam, outra é a licença que uma "empresa de estacionamento pago"
recebe para operar em terrenos sem vagas nas vias públicas.
Situações e atos administrativos completamente distintos em fundamento,
teor e forma e que NADA tem a ver com a inconstitucionalidade julgada pelo STF
no RE 684454/BA que reitera APENAS o entendimento óbvio da Corte de que o
"município não pode legislar sobre Direito Civil". Trata-se, sim, de
Direito do Consumidor, que já está legislado pela nossa brilhante e
principiológica lei federal de 1990 (CDC) baseada nos usos e costumes
comerciais e inspirado na mensagem histórica de Keneddy (1962) de que
"todos somos consumidores", reafirmando-se no Direito Positivo em
1973 na 29a Sessão de Genebra (ONU) e, por fim, na Resolução da ONU 39/248 de
1985 sobre a Proteção ao Consumidor, tornando esta uma coletividade com
interesse processual e, portanto, direito internacional e constitucional de
ação coletiva.
A cobrança repentina não só quebra o pacto costumeiro - e o Costume
também consolida e garante os direitos - como cria um novo estamento e
desequilibra a relação econômica de consumo entre o shopping e suas lojas
(fornecedor) e o pretenso cliente (consumidor), causando-lhe prejuízo injusto e
abusivo ferindo frontalmente o Art. 39 do CDC, além das outras duas leis
referidas federal - o Estatuto - e municipal - a Lei de Ordenamento Urbano (em
nada declaradas inconstitucionais), em especial os seus incisos: I, II, IV, V e
X, na prática de uma verdadeira "prática abusiva" ao elevar sem justa
causa o preço final dos produtos e serviços de forma embutida no preço final,
quando passa a cobrar do consumidor pela mesma vaga que já cobra do lojista na
"taxa de condomínio" que continua a mesma sem qualquer abatimento ou
redução de custo aos lojistas; ao vinculá-lo necessariamente a um serviço
diverso (estacionamento) ao qual não concordou em contratar, forçando-o à
aquisição deste serviço para que realize o consumo, condicionando um a outro,
valendo-se, para tanto da falta de vagas na via pública (por se tratar de
shopping não preparada anteriormente para este fim), prevalendo-se de sua
fraqueza ou ignorância para condicioná-lo a contratação do serviço novo de
estacionamento, ainda que dentro de suas instalações, tendo em vista ainda a
necessária obediência à função social da propriedade.
Não bastasse tudo isso, a prática foi ratificada pela Prefeitura após um
TAC que não foi devidamente publicizado, segundo o qual "em troca"
dessa benesse - liberação do alvará - tais grupos econômicos donos dos
shoppings (construtoras) fariam investimentos milionários em certas "obras
públicas" a que até hoje não se tem conhecimento. E tudo isso ocorre - do
RE do STF decidido sem chamar as partes que sofrem com a repercussão dada a sua
decisão - todos os consumidores, ou seja, "todos nós" segundo
Kennedy, e também os trabalhadores de lojas e dos shoppings que também perderam
de repente seu direito à estacionar carro (Art. 458 da CLT), violando-se por
via transversa e unilateral o contrato individual de trabalho de todos eles -
ao início e continuidade da cobrança das nada menos de 28.000 vagas rotativas
exploradas diretamente pelos shoppings e, em alguns casos, por empresas de
donos não identificados, cobrança indevida e abusiva que se arrasta até hoje
(16 meses) sem qualquer questionamento por parte do Ministério Público e mesmo
dos lojistas ou de suas associações por medo destes últimos de se insurgirem
contra os shoppings e perderem seus pontos comerciais, como me confidenciou
Juliana Moraes* (nome fictício, a pedido, por sigilo de fonte).
Diante disso, representamos também formalmente em
julho de 2015 ao Ministério Público do Trabalho que, atendendo ao nosso pedido,
por entender cabível, montou uma força-tarefa de eminentes procuradores que
passaram a tentar em diversas audiências da qual me fiz presente a algumas uma
conciliação sem que esses grupos econômicos cedessem na sua ânsia e sede de
enriquecer de modo indevido e através de um "bis in idem", que é
defeso, por cobrar duplamente pelo mesmo serviço além de todas as violações
mencionadas com a prática dos mais diversos ramos do Direito. Sem êxito a
mediação, foram impetradas ações civis públicas contra todos os 7 shoppings,
como requeremos no pedido inicial, perante a Justiça do Trabalho de Salvador
que passou a garantir o direito dos trabalhadores, sendo a primeira liminar
concedida pela 2a Vara do Trabalho (caso do Shopping da Bahia), que foi
imediatamente questionada pela ABRASCE ao TRT por via do mandado de segurança,
que, sem a completa compreensão da complexidade envolvida, foi concedido EM
PARTE em favor dos shoppings, mas mantendo
a obrigação dos lojistas em pagar os estacionamentos de seus funcionários,
decisão primeira está dada em juízo perfunctório pelo Desembargador do Trabalho
Pires Ribeiro.
Conversei com o Desembargador Federal do Trabalho que, após, pediu que
fosse pautado (levado o caso) à discussão urgente do colegiado competente
para o julgamento (SD-2) para discutir a matéria com a profundidade devida,
tendo em vista a complexidade da matéria jurídica e a repercussão social e
coletiva envolvidas e perante à qual estamos nos habilitando como Amicus Curiae em defesa do direito dos
trabalhadores violado. Ao mesmo tempo, dias atrás, depois de entender a Ilma.
Magistrada de primeiro grau responsável pelo julgamento da Ação Civil Pública
(ACP) mencionada que impetramos imediatamente após o início da cobrança que, em
resumo, "os consumidores não tinham legitimidade processual" - pasmem
- para discutir a questão decidindo extinguir o processo.
Irresignados com tal decisão recorremos ao Tribunal de Justiça da Bahia
e fui pessoalmente até o desembargador relator que se convenceu de nossa tese e
determinou que voltasse o processo para que a juíza se manifestasse, retornando
àquela corte máxima de Justiça estadual, caso mantenha a sua decisão de
arquivamento, para julgamento do mérito. Também nos habilitaremos como Amicus Curiae e faremos, nas duas
Justiças, estadual e do Trabalho, como já fizemos em audiências e na Tribuna da
Câmara dos Vereadores sobre o mesmo assunto a defesa oral e escrita
incontestável em defesa da gratuidade devida.
Aguardem, em breve, os próximos capítulos! Vamos até o fim e
mostraremos, todos nós, com nossa inteligência e força, consumidores e também
trabalhadores de lojas, dos shoppings, motoboys que estão tendo suas atividades
inviabilizadas, bancários e até mesmo os lojistas, vítimas da opressão desse
poderoso grupo de poder econômico, que a Lei e o Direito é maior que todos e
cada um deles e de suas fortunas e egoísmos individuais.
Henrique
Quintanilha
Advogado
e Professor de Direito
Contato: quintanilhahenrique@gmail.com
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