"Eu lembro que cheguei cedo e me assustei com a polícia dentro da Faculdade de Direito"
Alexnaldo atuou no movimento estudantil |
Em homenagem ao 16 de maio, data que lembra a invasão da UFBA, nosso blog
entrevistou o advogado Alexnaldo Queiroz de Jesus, 38 anos, que na época era
estudante de Direito e militava no movimento estudantil. Advogado há 13 anos,
Alexnaldo é de Salvador, mas atualmente mora no Rio de Janeiro, exercendo o
cargo de Especialista em Regulação em atividade cinematográfica e audiovisual
na Ancine. Além de atuar na luta sindical, exercendo o mandato de Secretário
Geral no Sinagencias, Alexnaldo adora jogar xadrez, inclusive se recorda de ter
conquistado campeonatos na adolescência, e praticar atletismo. Diz que conseguiu
emagrecer 40 quilos graças ao esporte, onde já coleciona participação na
maratona da Pampulha em 2012. Porém, o que mais gosta de fazer é se dedicar a
leitura. Acabou de ler “A sociedade da transparência” do professor Byung-Chul
Han, sul coreano e professor em Berlin e está lendo o último livro da trilogia do
Império do Negri/Hardt “Common Wealth”. Via e-mail, Alexnaldo relembrou do seu
período acadêmico, falou do mensalão, dos erros da esquerda, do retrocesso
político atual e da forma de atuação de parte do judiciário. Vale a pena
conferir!
Blog: Como ex-aluno da Faculdade de Direito da UFBA, fale um pouco da sua
trajetória nesta casa?
Eu fui do Movimento Estudantil, do CARB (1998 a 2002) e do DCE (1999 a 2002),
representante discente em todos os órgãos da Universidade, do Conselho
Universitário aos departamentos na Faculdade, foi nessa representação que
aprendi muito Direito Administrativo e Direito Constitucional (dei aula e
trabalhei na assessoria parlamentar junto ás CCJ e CFOF da Câmara Municipal do
Salvador com base na formação em Sala de aula e na representação discente), fiz
parte do Grupo 2 de Julho na Faculdade que conseguiu um concurso público para
professores em pleno governo FHC, fui aliado do Professor Arx Tourinho (era meu
amigo, sinto muita falta dele), igualmente compus o nosso grupo “Declare
Guerra” que foi o grande responsável das manifestações do Maio Baiano em 2001 (lembro que a carteira estudantil naquele ano
usava um título de um livro “vamos tirar a Bahia das Trevas”). Essa geração
conseguiu concurso público, contribuição voluntária na carteira de estudante,
acabou com a taxa de matrícula nas Universidades Públicas (virou até súmula
vinculante no STF), derrubou ACM (ele renunciou), aprovou as Cotas Sociais e
Raciais (projeto apresentado pelo DCE em 2001 e aprovado pela UFBA em 2004), eu
participei da criação da peça e da defesa do projeto nos Conselhos.
Blog: A Faculdade de Direito este
ano comemorou 124 de existência, uma das mais tradicionais do Brasil. Diversas
personalidades baianas estudaram nesta instituição. Qual o legado deixado para
formação de grupos de poder na Bahia?
Eu Sempre disse aos meus amigos dos outros cursos que as disputas na
Faculdade de Direito com Procuradores, Juizes, Promotores, Advogados,
Professores, Estudantes eram a representação da macropolitica entre Esquerda e
Direita, a última eleição municipal teve dois ex-alunos da Casa, ACM Neto e
Nelson Pelegrino, a faculdade de Direito da UFBA possui a mesma função para o
governo da Bahia que Harvard tem para o comando do governo Estadunidense:
formar quadros políticos. E o CARB faz 120 anos outrora de muitas lutas contra
as opressões.
Blog: Hoje, há uma presença de alunos de baixa renda, cotistas e até mesmo
indígenas ocupando vagas na Faculdade de Direito. Como você avalia esta nova
tendência?
Eu fiz parte dos estudantes que elaboraram a peça das cotas na UFBA e
fiz parte da defesa dele tanto no Consuni como Consepe em 2004 e isso me deixa
muito feliz por essas pessoas estarem na Faculdade e a UFBA esteja cumprindo um
dos objetivos da República que está na Constituição. Eu não diria que é uma tendência,
mas a verdadeira normalidade.
Folha de São Paulo publicou a violência policial contra manifestantes |
Blog: Você era aluno quando a Faculdade foi sitiada. 16 de maio é uma data
histórica para a Faculdade de Direito. Qual a sua lembrança deste triste
episódio e onde você estava naquele dia?
Eu era da Direção do DCE-UFBA e era da
Comissão que escolheu o trajeto passando por dentro da Universidade. Eu lembro
que cheguei cedo e me assustei com a polícia dentro da Faculdade de Direito,
pedi ao então Diretor na época para chamar a autoridade do Reitor do período e
isso foi feito, contudo a PM não respeitou a autoridade do Reitor e nem do
Diretor. Depois, junto com outros Diretores do DCE-UFBA, tentei argumentar com
o então comandante da Choque que não impedisse nosso direito de livre
manifestação e de circulação, porque quem estava na Faculdade também não
poderia sair de lá, então professores pediram um HC e quando foi deferido e a
Policia Federal chegou, às bombas foram disparadas, policiais caçaram estudantes,
professores, parlamentares no campus Canela, eu me refugiei na Faculdade de
Educação, nos entrincheiramos lá, depois de horas eles recuaram e no dia 17 de
maio a gente lavou a escadaria do edifício Stela Maris.
Blog – O atual prefeito de Salvador, ACM Neto, foi seu colega de curso. Na
época, lembro que ocorreu uma disputa sadia para ser o orador de formatura da
turma. Você poderia nos revelar?
Lembro um pouco. Ouvi dizer que houve uma disputa entre Neto e o Rafael
(salvo engano), mas que Rafael só saiu vitorioso porque apresentou como
proposta que a votação fosse secreta e sendo assim derrotou Neto e foi o orador
da turma Luís Eduardo Magalhães, dizem, igualmente, que ACM não foi pra
solenidade pelo fato do Neto não ter sido nem o Orador da sua turma de
formatura, lembrando que aquela turma era a terceira porque tiveram duas maiores
além daquela.
Blog – Depois de formado, você atuou como empregado público na Petrobrás.
Como avalia o mensalão e outros escândalos de corrupção envolvendo a empresa?
Eu passei no concurso de Advogado Junior em 2008 em primeiro lugar,
tomei posse em 25 de junho de 2009 e pedi exoneração em fevereiro de 2011 para
assumir meu cargo atual na Ancine. Eu trabalhei nesse pouco periodo na defesa jurídica
da holding junto aos órgãos de Controle (TCU, MPF, CGU, Congresso Nacional).
Bem sobre o TCU tenho varios cursos realizados por eles e tenho várias críticas
sobre os parâmetros usados nas fiscalizações de obras, ressalto que a Lava-Jato
descobriu o superfaturamento nas obras por delações. Então, minha critica ao
TCU e ao MPF é que o melhor parametro pra fiscalização so existe quando o
fiscal conhece o negócio, não pode aplicar o SINAPI (Sistema Nacional de
Pesquisa de Custo e Índices da Construção Civil) em obra de engenharia de
petróleo como refinaria ou plataforma, porque ninguém no mundo aplica isso, mas
o TCU exigia esse parâmetro na LDO para todas as obras de engenharia. Daquela
experiência, igualmente, guardo minha posição do Decreto-Lei 200/67 não ter
sido recepcionado pela Constituição no que tange ao principio da Inocência dos
gestores e ônus da prova do dever de probidade destes e por este “modus
operandi” do TCU chegamos à jabuticaba da teoria do Domínio do Fato na Ação
Penal 470 (Mensalão) e falo dos analistas e do MP do TCU, lembro que o PGR e o
Joaquim Barbosa, praticamente, transcreveram o entendimento do Relatório da
área técnica para chegar à conclusão de algumas condenações e hoje está difícil
de não aplicar na duvida a jabuticaba da teoria do domínio do fato que é
consequência do ônus da prova de probidade dos gestores, na duvida ele tem
atribuições para comandar o esquema e não provou que não fazia parte do esquema.
Quanto à corrupção na empresa só fiquei sabendo pela imprensa e pelas delações
e posto que li a corrupção na empresa era organizada por empregados de Carreira
e os Partidos que ganhavam a gestão da empresa cobravam uma porcetagem desse
desvio, contudo suspeito muito do Decreto 2745/98 de contratação publicado pelo
FHC não ter sido uma forma de organizar essa possível corrupção histórica, pela
possibilidade da modalidade do convite ter sido uma prática nas licitações da
empresa, todavia, dificilmente, outras empreiteiras ganhariam o certame em face
do nível técnico, por isso, também suspeito das concorrentes da Petrobras e das
empreiteiras internacionais como fatores motivadores da gênese dessa apuração
nesse momento.
Alexnaldo é também dirigente sindical. Foto: facebook |
Blog – Nas redes sociais, você se
coloca como petista, mas escreve muitas críticas ao governo federal. Há um
golpe em curso ou é apenas um jargão político?
O
PT ainda é a única organização de esquerda verdadeiramente Nacional, vejo as
outras organizações e coletivos muito limitados geograficamente ou pelas Redes
Sociais, pergunto nas cidades de fronteiras no Brasil qual é a esquerda que
chega lá? E esse Partido que ainda deságua os comuns das resistências no país
está sofrendo um golpe do Partido da Ordem (Mídia, Parlamento, Judiciário) que
fez uma eleição indireta do Vice e afastou o artigo 85 da Constituição da
República, os principais juristas do país de Direito Financeiro não apóiam a
tese das pedaladas e dos decretos como crime de responsabilidade, cito o
Ricardo Lodi como exemplo. E esse golpe é uma resposta à conjuntura econômica e
o fim do Lulismo como pacto de classes com um agravante a classe trabalhadora
mais passiva que nos anos 90 e 2000. Todavia, não é o unico golpe e nem será o
ultimo golpe, vivemos num Estado de Exceção com genocidios de negros, indios e
pobres, além da cultura de estupro que as mulheres denunciam e isso não foi
mudado pelo voto, o PT gestou este Estado de Exceção até o dia de 12 de maio de
2016 e por isso divirjo do meu Partido quanto ao início do Estado de Exceção. Outra
crítica que tenho ao PT e a esquerda latina é o esgotamento do
Nacional-Desenvolvimentismo como contraponto ao neoliberalismo, a esquerda
precisa de Ilustração, “Aude Saper” ter a coragem e a audácia de saber, ter uma
atitude como diria Kant, um ethos e partir do Capital como processo na criação
de singularidades, subjetividades, superando a organização da fábrica nas
organizações internas e o PT deve fazer, urgentemente, uma superação geracional
e regional, precisamos superar o ‘sudestinismo’ e aceitar novas vanguardas e
novas formas de lutas, destaco algumas lideranças que influenciaram a sociedade
no combate ao impeachment Lindbergh Farias, Jandira Feghali, Mano Brown,
Criolo, Letícia Sabatella, Luiza Erundina, Jean Wyllys, Tico Santa Cruz, Guilherme
Boulos, Gregório Duvivier, Marcia Tiburi, Caetano Veloso e tantas outras.
Talqualmente, destaco outras formas de lutas autônomas: a ocupação das escolas pelos
pais por estudantes e a campanha “REAJA OU SERÁ MORTO OU SERÁ MORTA”, por
exemplos! E quando alguém me critica por ser petista da CNB e tão critico ao
governo federal, eu respondo com Caetano Veloso: “Vocês não estão entendendo
nada, absolutamente nada”!
Blog – A ciência jurídica e seu rito parecem que perdeu a importância
diante dos interesses de grupos. Acha que o juiz Sérgio Moro exerce um
importante papel no combate a corrupção?
Eu acredito que o Juiz Sérgio Moro não é nem herói ou vilão nesse
momento histórico, ele representa uma geração de agentes públicos que preferem
o espetáculo, a celeridade à Justiça, é uma geração que não se preocupa com o
Direito como Sistema como Kelsen, Dworkin e Luhmann, por exemplos, esses
autores nos ensinaram que os comandos jurídicos normativos podem dizer
licito/ilicito ou permitido/obrigatório/proibido, mas fundamentado no
escalonamento das normas e nisso temos garantias relativizadas por um Juiz,
lembremos que estes agentes públicos mesmo sem ter a consciência praticam o tal
ato de soberania em que Schimitt fundamentava os atos do Führer alemão com base
no artigo 48 da Constituição Alemã, o Estado de Exceção. Lembrando a jabuticaba
da Teoria do Domínio do Fato foi criada pela área técnica do TCU, consolidado o
conteúdo na Ação Penal 470 com Joaquim Barbosa e desenvolvida agora
processualmente pelo Juiz Moro, nisso ele é nossa referência. Mas, esse
processo de espetacularização, politicamente, serve muito para acalmar o povo e
esconder o problema maior da humanidade hoje: a concentração de riqueza no 1%
da população e essa será a base do Temer pactuado com um dos representantes do
precariado brasileiro: a Igreja Universal, quem está fora deste novo pacto são
os empregados celetistas e os servidores públicos.
Blog – Setores do governo petista denunciam serem vítimas também da mídia
empresarial, concentrada em determinadas famílias. Foram 12 anos do lulismo e o
que foi feito de diferente no Ministério das Comunicações?
Absolutamente, não fizeram nada, até a
Argentina fez, mas também não foi útil, porque com uma canetada Macri acabou.
Eu, particularmente, não acredito que a regulação mídia resolveria algo sobre
esse oligopólio de mídia, acredito que o fomento de outras mídias seria mais
relevante para luta de classes, por exemplo, incentivar a mídia por streaming, desenvolver
um google brasileiro como o Yandex russo, um facebook, um mensager como o
telegram russo. Mas, a mídia compõe o partido da Ordem e o PT, por mais que
tenha se rebaixado ou tenha sido centralizado, nunca foi da Ordem, assim como
não existe negro racista, nem mulher machista não existe trabalhador
capitalista, pelo simples fato de não haver transformação de poder, pode haver
pessoal, limitado e transitório. O poder continua com os Homens Cis, brancos, heterossexuais,
capitalistas e sudestinos.
Blog – O que esperar do governo interino de Michel Temer?
Retrocesso social, aumento do mais-valor,
desvalorização do salário, controle inflacionário, desemprego mais de 15%, fim
da estabilidade no serviço público em especial aos professores, privatizações
com venda de ativos, concessões, fim do regime de partilha do Pre-Sal, aumento
da corrupção, criminalização dos movimentos sociais, flexibilização das leis
trabalhistas, terceirização e outras. Do ponto de vista da resistência, veremos
a velha briga de igreja na esquerda pra dizer quem é mais puro, mas reivindico
uma refundação da Esquerda que deve atuar a partir das frentes Brasil Popular e
Povo sem Medo, propondo um programa que dialogue para além da esquerda e que
nós petistas reconheçamos novas vanguardas e as lutas autônomas.
Blog – Para finalizar, qual o papel
de um jovem bacharel em Direito que acabara de deixar a Faculdade?
Estude, leia Filosofia, História e Psicanálise, estude
o Direito como um Sistema, leia Kelsen, Dworkin, Alexy, Luhmann, não acredite
apenas em manuais, apostilas ou na opinião do Professor de cursinho, nunca
esqueça que podemos prejudicar a vida de alguém com nossos erros, seja como
agente público ou advogado, e lute por um mundo melhor sempre! Aude Saper!
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