Jovens protestam contra a violência em Madre de Deus Foto: Facebook de Paulinho Cruz |
A morte brutal da jovem de 17 anos em Madre de Deus fez o
nosso pequeno paraíso se fantasiar de inferno. Luciene Nascimento Santana, a
nossa Lulu, foi atingida em cheio por um tiro de revólver, quando trabalhava na
barraca de lanche numa das principais avenidas da cidade. O local é bem
iluminado, tem câmeras de vigilância ‘full HD’ e de bastante movimento.
Era quase 18 horas de uma quinta-feira de verão. O sol ainda
brilhava. Pessoas diversas, com destinos diversos, passavam pelo local. Era fácil
perceber jovens voltando da praia, outros em busca de atividade física na orla,
adolescentes voltando da escola, moradores sentados no passeio e o vai e vem
dos carros que disputam as ruas estreitas de Madre de Deus.
Não é um momento para agradecer, mas meu filho, de apenas 06
anos, passava no exato momento da tragédia. Ele pratica judô no Estádio Municipal,
bem próximo ao local habitual de Lulu. Outras crianças também seguiam roteiros
parecidos. Pela complexidade do local, dezenas de anjos poderiam ser vítimas.
Como dizem os moradores, “pode acontecer com qualquer um, Madre de Deus virou
uma roleta-russa”.
Como um piscar de olhos, o jovem de comportamento antissocial
resolveu eliminar seu desafeto da pior forma possível. Chegou atirando por sua conta
e risco! Salve-se quem puder. Os costumes, as leis e os princípios de várias
gerações não surtiram efeitos na conduta do franco atirador. A autotutela é a regra que carregava para moldar
o mundo de acordo a sua vontade. Nesta disputa irracional por posição, um dos tiros tirou a vida de uma jovem estudante inocente.
Foto do suspeito evidencia uma enorme tatuagem de Lampião estampada na
barriga. É como não se importar mais com a vida doce e pacata de um jovem
adolescente. Escolheu viver entre os limites extremos do prazer e da dor. Levou
a “vida loka” como eles gostam de afirmar, gritando em sala de aula para
amedrontar professores. A família não é mais referencial. Suas ações
arrepiantes fazem a mãe chorar, perguntando ao céu onde errou.
Ninguém pode prever o destino. Além das ações, o futuro depende também da sorte, segundo Aristóteles. Mas quando o presente está
confuso, sem grandes respostas para os fatos, nada melhor do que o passado para um
momento de reflexão. Madre de Deus foi uma das cidades baianas que mais cresceu
urbanamente em 2002. Os quintais praticamente acabaram e a cidade verticalizou
sem a devida preocupação com a ocupação desordenada.
Madre de Deus é uma ilha, com acesso ao continente apenas por
uma modesta ponte intermunicipal. É uma verdadeira conurbação com o Caípe, distrito de São
Francisco do Conde. As diversas empresas e fábricas regionais transformaram a
região em importante zona de produção econômica para o modesto capitalismo
baiano. Em busca de emprego e serviços, famílias empobrecidas buscam
oportunidades locais. No geral, são famílias sem profissão, de pouco estudo, afrodescedentes, onde muitas vivem das conquistas incertas diariamente.
Nestes 14 anos, a bomba social só cresceu. O orçamento público
de São Francisco, Candeias e Madre de Deus é de dá inveja a qualquer cidade
sulista, mas há uma dificuldade real de transferência de renda. Não existe ainda
consórcio de prestação de serviço entre esses municípios. Quando um ente
público constrói um hospital razoável, por exemplo, perde a qualidade relativa em apenas
alguns anos de funcionamento porque não consegue atendar o tsunami de pessoas
que migra em busca do atendimento.
A abertura democrática, que parecia uma solução, construiu algumas anomalias eleitorais. Criou-se um povo dependente, onde há sempre quem deseja “vender”
sua cidadania. Por outro lado, há sempre uma liderança com a vontade feroz de “comprá-la”.
Esta nuvem podre, que funciona sob o olhar omisso de muitos, determina consequências
imensuráveis. O dinheiro público se tornou o eldorado para alguns, independente
de partido, e o inferno para quem a oportunidade virou pó.
Porém, sou um otimista e acredito que nosso povo seja capaz
de trilhar o reino da bondade e da justiça social. Que os poços de petróleo da
região e seus derivados sejam utilizados para o crescimento do nosso povo. Que a distribuição de
renda venha com a Escola Integral, com o lazer e o esporte criativo. É possível
cultivar a solidariedade sem interesses menores. Mais do que roubar a
dignidade alheia, é preciso fazer nossos jovens buscarem uma profissão digna,
onde, num futuro próximo, nossos policiais se preocupem apenas em ser os
soldados da paz.
Força as famílias que choram neste momento!
membro do Conselho
Municipal de Educação de Madre de Deus e
Acadêmico em Direito – UFBA.
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