11 de março de 2016

MADRE DE DEUS: Quando a dor toma conta de uma cidade

Jovens protestam contra a violência em Madre de Deus 
Foto: Facebook de Paulinho Cruz
A morte brutal da jovem de 17 anos em Madre de Deus fez o nosso pequeno paraíso se fantasiar de inferno. Luciene Nascimento Santana, a nossa Lulu, foi atingida em cheio por um tiro de revólver, quando trabalhava na barraca de lanche numa das principais avenidas da cidade. O local é bem iluminado, tem câmeras de vigilância ‘full HD’ e de bastante movimento.

Era quase 18 horas de uma quinta-feira de verão. O sol ainda brilhava. Pessoas diversas, com destinos diversos, passavam pelo local. Era fácil perceber jovens voltando da praia, outros em busca de atividade física na orla, adolescentes voltando da escola, moradores sentados no passeio e o vai e vem dos carros que disputam as ruas estreitas de Madre de Deus. 

Não é um momento para agradecer, mas meu filho, de apenas 06 anos, passava no exato momento da tragédia. Ele pratica judô no Estádio Municipal, bem próximo ao local habitual de Lulu. Outras crianças também seguiam roteiros parecidos. Pela complexidade do local, dezenas de anjos poderiam ser vítimas. Como dizem os moradores, “pode acontecer com qualquer um, Madre de Deus virou uma roleta-russa”.

Como um piscar de olhos, o jovem de comportamento antissocial resolveu eliminar seu desafeto da pior forma possível. Chegou atirando por sua conta e risco! Salve-se quem puder. Os costumes, as leis e os princípios de várias gerações não surtiram efeitos na conduta do franco atirador.  A autotutela é a regra que carregava para moldar o mundo de acordo a sua vontade. Nesta disputa irracional por posição, um dos tiros tirou a vida de uma jovem estudante inocente. 

Foto do suspeito evidencia uma enorme tatuagem de Lampião estampada na barriga. É como não se importar mais com a vida doce e pacata de um jovem adolescente. Escolheu viver entre os limites extremos do prazer e da dor. Levou a “vida loka” como eles gostam de afirmar, gritando em sala de aula para amedrontar professores. A família não é mais referencial. Suas ações arrepiantes fazem a mãe chorar, perguntando ao céu onde errou.

Ninguém pode prever o destino. Além das ações, o futuro depende também da sorte, segundo Aristóteles. Mas quando o presente está confuso, sem grandes respostas para os fatos, nada melhor do que o passado para um momento de reflexão. Madre de Deus foi uma das cidades baianas que mais cresceu urbanamente em 2002. Os quintais praticamente acabaram e a cidade verticalizou sem a devida preocupação com a ocupação desordenada.

Madre de Deus é uma ilha, com acesso ao continente apenas por uma modesta ponte intermunicipal. É uma verdadeira conurbação com o Caípe, distrito de São Francisco do Conde. As diversas empresas e fábricas regionais transformaram a região em importante zona de produção econômica para o modesto capitalismo baiano. Em busca de emprego e serviços, famílias empobrecidas buscam oportunidades locais. No geral, são famílias sem profissão, de pouco estudo, afrodescedentes, onde muitas vivem das conquistas incertas diariamente.

Nestes 14 anos, a bomba social só cresceu. O orçamento público de São Francisco, Candeias e Madre de Deus é de dá inveja a qualquer cidade sulista, mas há uma dificuldade real de transferência de renda. Não existe ainda consórcio de prestação de serviço entre esses municípios. Quando um ente público constrói um hospital razoável, por exemplo, perde a qualidade relativa em apenas alguns anos de funcionamento porque não consegue atendar o tsunami de pessoas que migra em busca do atendimento.

A abertura democrática, que parecia uma solução, construiu algumas anomalias eleitorais. Criou-se um povo dependente, onde há sempre quem deseja “vender” sua cidadania. Por outro lado, há sempre uma liderança com a vontade feroz de “comprá-la”. Esta nuvem podre, que funciona sob o olhar omisso de muitos, determina consequências imensuráveis. O dinheiro público se tornou o eldorado para alguns, independente de partido, e o inferno para quem a oportunidade virou pó.

Porém, sou um otimista e acredito que nosso povo seja capaz de trilhar o reino da bondade e da justiça social. Que os poços de petróleo da região e seus derivados sejam utilizados para o crescimento do nosso povo. Que a distribuição de renda venha com a Escola Integral, com o lazer e o esporte criativo. É possível cultivar a solidariedade sem interesses menores. Mais do que roubar a dignidade alheia, é preciso fazer nossos jovens buscarem uma profissão digna, onde, num futuro próximo, nossos policiais se preocupem apenas em ser os soldados da paz.

Força as famílias que choram neste momento!

Mário Ângelo S. Barreto
Historiador, Professor da Rede Pública, Blogueiro, 
membro do Conselho Municipal de Educação de Madre de Deus e 
Acadêmico em Direito – UFBA.






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