21 de dezembro de 2014

ENTREVISTA: Nosso blog entrevista o famoso e "anônimo" estudante de Direito

"O que está ali escrito não é meu, mas sim dos meus professores"

Quem é Thiago Teles? Há meses que associamos esse nome a cópias de caderno na Faculdade de Direito da UFBA. Para quem trabalha, faz estágio... e enfrenta o caótico transporte público de Salvador, as sínteses do Estudante de Direito da UFBA, Thiago da Silva Teles, são providenciais para obter a média em algumas das provas do curso. E para quem pensa que Thiago Teles é apenas um obcecado em anotar tudo e bitolado nas normas jurídicas, errou feio. Teles, 24 anos, soteropolitano, tem formação em Técnico em Operação de Processos Industriais Químicos pelo ‘antigo’ CEFET, é músico (toca violão, violino, gaita e teclado) e compõe canções mais voltadas à MPB e ao SAMBA. Um verdadeiro polivalente. Como não bastasse, Teles pretende se dedicar a Magistratura Estadual, a pesquisa e ao Magistério na área jurídica. Na semana natalina, nosso blog encontrou Thiago Teles nas redes sociais e solicitamos um bate papo. O recém-formado não aceitou, mas aos poucos cedeu e nos presenteou com uma bela entrevista.

Blog: É comum na Faculdade de Direito da UFBA muitos alunos recorrerem aos cadernos de colegas para revisar conteúdos. Não sei se você sabe, mas cópia de seu caderno é bastante utilizado, porém, muitos não sabem que é você. Quem é mesmo Thiago Teles?

Sou eu. (rs) Foi Caetano que, na famosa entrevista no Vox Populi, respondeu para essa mesma pergunta: “sou eu”. Me deu vontade de fazer a mesma coisa agora. (rs) Quem me conhece sabe que a primeira coisa que sou é brincalhão. Deixando brincadeiras de lado... “Thiago Teles” é um aluno como outro qualquer, que todos os dias passa por você pelos corredores e que não tem nada de especial. Inclusive, fico lisonjeado pela oportunidade de ser entrevistado nesse blog, porque aqui tem entrevistas com pessoas bem mais ilustres que eu, a exemplo de Bernardo Campinho, que foi também meu professor - e eu fiz caderno das aulas dele também. (rs) Eu sei que meus cadernos circularam bastante. Tudo tomou uma amplitude bem maior do que o esperado, tanto no tempo quanto no espaço: coisas que eu escrevi há dois, três anos, ainda continuam sendo lidas. Eu já conheci gente da UNIFACS e até da UEFS que, sabe lá Deus como, acabou tendo meus cadernos em mãos. Um amigo meu, chamado Ícaro, me contou que uma vez enquanto eu estava palestrando no seminário de um grupo de pesquisa que fiz parte, uma menina do lado dele disse: “esse que é Thiago Teles?”, na época eu tinha um cabelo grande num rabo de cavalo, acho que ela imaginava um nerd e ficou perplexa com isso... Já vi gente tirando cópia de cadernos que fiz há dois anos na xerox, eu estava do lado “rindo calado” e as pessoas nem imaginavam (rs). Sempre achei isso no mínimo engraçado e curioso.

Blog: Como você organizava seu caderno?

Eu fiz meus cadernos de diferentes maneiras ao longo do tempo. Explico: digitar cadernos foi algo que surgiu no meu primeiro semestre, em 2010.1. Depois que eu pedi para uma pessoa que me emprestasse o caderno físico de “Introdução à Filosofia” para eu tirar uma cópia e estudar para a prova e recebi um não como resposta, eu fiquei um pouco revoltado. Então pedi para um colega as gravações que ele fazia daquelas mesmas aulas, sentei uma semana antes da prova e passei uns quatro dias sistematizando tudo que estava nas gravações. Depois li os textos que a professora indicou. Não satisfeito, fui ler Marilena Chauí e o dicionário básico de filosofia de Danilo Marcondes, e transcrevi as partes dos textos e dos livros que correspondiam com o que era dito em sala. Aí “de birra”, em protesto (e em forma de indireta), confesso, eu mandei o caderno para o grupo de e-mails da matéria, para que todos pudessem ter acesso. No começo eu fazia exatamente assim: a partir de gravações eu colocava o que o professor dizia, ia confirmar nos livros, e então fazia cadernos robustos que eram uma mistura dos dois (já fiz cadernos que ultrapassaram 100 laudas). Eu acredito que a principal causa das pessoas terem gostado tanto de meus cadernos é que eu gostava de fazer quadros esquemáticos, fluxogramas, e coisas do gênero, no Microsoft Visio. Isso ajuda a fixar o conteúdo. Com o tempo, percebi que era mais rápido já ir transcrevendo as aulas em sala, e deixar só pra revisar e ler manuais em casa. E aí eu organizava na mesma ordem dada em aula pelo professor. Com o tempo comecei a tirar os trechos dos livros dos cadernos, porque eles deixavam os cadernos grandes demais. Aí meu método de estudo era: (1) fazer o caderno; (2) ler o conteúdo nos manuais; (3) revisar no caderno. Na segunda metade do curso eu abandonei a técnica de fazer cadernos, porque descobri que construir mapas mentais era mais efetivo e eu fixava melhor os assuntos e por mais tempo. Colar os mapas pelas paredes de minha casa me ajudava a estar em contato o tempo inteiro com os conteúdos. Até hoje eu estudo fazendo mapas mentais e colando-os pelas paredes com fita dupla face. Quem visita minha casa diz que eu preciso ser internado. Só que eu não sou um esquizofrênico plagiando John Nash no filme “uma mente brilhante”, eu só tenho uma memória ruim e luto contra isso com todas as minhas armas. Essa, por exemplo, é uma foto do corredor que dá para o meu quarto: É claro que morar sozinho ajuda muito. Ninguém reclama da decoração. (rs)

Teles confeccionava mural em sua residência para memorizar conteúdos
 Blog: Como você analisa pedagogicamente os alunos que recorrem a cadernos de colegas para se submeter às avaliações do curso?

Vixe, agora você tocou num assunto delicado. Falar sobre isso passa por uma série de questões. Vivemos num mundo veloz. Às vezes passamos mais tempo com a mente na realidade cibernética que na física (inclusive você que está lendo essa entrevista agora confirma essa afirmação). Aqui as informações são bombardeadas e processadas numa velocidade tremenda. Isso afeta as pessoas. Hoje somos muito mais hiperativos e queremos soluções imediatas para tudo. Todos vivemos mais no trânsito, temos mais atividades, mais responsabilidades e mais exigências. O mundo cobra mais da gente, as atividades são muitas, e o dia continua tendo 24h. Se o tempo é curto, o aluno é mais pragmático. Morreu o estudante que quando queria aprender algo ia para a biblioteca consultar as enciclopédias vermelhas da Barsa. Hoje abrimos o Google. Do mesmo modo, se é mais rápido e o aluno às vezes se sente mais seguro recorrendo ao caderno do colega do que lendo um manual que se sabe que 1% do volume de leitura corresponderá ao que o professor utilizará na prova, justifica-se pragmaticamente o fenômeno da leitura de cadernos. Infelizmente, no viés pragmático, a grande maioria dos estudantes está em primeiro lugar preocupada em ser aprovada na matéria, só em segundo lugar está preocupada em absorver o conteúdo de uma maneira mais completa. Até porque para revisitar aquele assunto ele terá a vida toda, mas, para passar na matéria ele só tem até a data da prova. Não estou dizendo que essa é a pedagogia ideal. Estou justificando porque eu acredito que a leitura de cadernos acontece. Eu em verdade, embora compreenda os motivos, acho um equívoco o aluno que estuda exclusivamente por cadernos pelo mesmo motivo que acho errado estudar por livros “sinopse”: sua mente acaba virando uma sinopse. Salvo raras exceções de desespero eu sempre evitei estudar exclusivamente por cadernos, embora tenha sempre os utilizado para ter mais segurança de que estou me guiando por um caminho que me ajudaria ao ser avaliado. Eu acho que é dessa maneira que os cadernos deveriam ser utilizados. A nota numa avaliação significa muito pouco. Já tirei notas melhores que alguns colegas tendo estudado menos que eles, bem como já aconteceu de eu tirar em provas notas piores que colegas que só fizeram ler o meu caderno. Avaliações em formato de prova são uma maneira incompleta de avaliar o conhecimento de alguém. Estudar por cadernos é uma maneira incompleta de aprender. De incompletude por incompletude caminha o ensino. Por isso que, numa leitura meio à la Pedro Demo, eu sempre acreditei muito mais na pesquisa e na extensão como uma maneira mais eficaz de se construir conhecimento e dar eficácia social a ele.

 Blog: É comum em Direito muitos cadernos tornarem livro esquemático. Ouvi comentários que o livro “Lições Preliminares de Direito”, do autor Miguel Reale, teve muitas contribuições de cadernos de seus alunos na USP. Você já pensou em lançar algum manual neste sentido?

Claro que não. Já me falaram: “por que você não faz livros com esses cadernos?”. Não vou nunca fazer por um motivo muito simples: não seria ético fazê-lo. Eu não sou o exclusivo autor intelectual do que está ali. Por vários momentos eu colocava algumas coisas que vinham a partir de minha leitura autônoma, mas, em essência, o que está ali escrito não é meu, mas sim dos meus professores. Por isso eu sempre fiz questão de deixar bem destacado em todos os cadernos “anotações baseadas nas aulas ministradas pelo professor X no semestre Y na Faculdade de Direito da UFBA”. Sou apaixonado pela academia e pretendo ser um professor no futuro e escrever manuais. Mas eles serão meus, de mais ninguém.

Blog: De onde veio seu interesse pelo estudo do Direito?

Eu escolhi o Direito pragmaticamente. Meu coração sempre esteve na Música e eu sinto que nasci não para ser jurista, mas sim compositor. Me tornar um jurista e tomar gosto pelo Direito foi um acidente de percurso. Eu me apaixonei pelo Direito já no meio da faculdade, principalmente a partir do meu contato com a pesquisa acadêmica e com a extensão (não devo meu interesse pelo Direito às salas de aula). Mas, ainda assim, confesso que é como se a Música fosse a mulher de minha vida e o Direito uma intensa paixão de verão. Antes de vir para o Direito eu fui aluno do CEFET, onde fiz um curso técnico integrado ao ensino médio e estava mais inclinado a cursar Engenharia da Automação (nem cogitava ir pro Direito). Na inscrição do vestibular pensei: “Direito vai me possibilitar fazer um concurso e trabalhar em horários mais estáveis. Poder construir uma carreira paralela na Música”. Meu objetivo nunca foi ter só uma graduação. Voltarei para cursar Composição e Regência. Só não fiz isso desde o começo porque eu pretendo ser um compositor independente, que não precisa se vender às necessidades de mercado. Eu não quero precisar do dinheiro das composições. A parte financeira virá da minha segunda paixão, para que a primeira se mantenha mais pura e intacta.

Blog: Você acabou de se formar. Qual a avaliação que faz do curso de Direito da UFBA?

O curso de Direito da UFBA é bom. Obviamente que, como todo o ensino jurídico no Brasil, tem muito a melhorar. Eu não sou um daqueles alunos ingratos que suga tudo o que pode e depois sai falando mal de sua instituição. Eu aprendi muito entre aquelas paredes, não só de Direito, mas também a respeito de como me tornar uma pessoa melhor. Conheci grandes e ilustres professores que fazem eu me orgulhar da Bahia e ter vontade de ser exatamente como eles. Também conheci professores que estão muito longe disso, mas que ainda assim me tornaram uma pessoa melhor, porque me fizeram saber exatamente como não quero ser no futuro. Felizmente, para a minha sorte, estive mais em contato com os primeiros. A Faculdade de Direito da UFBA tem tradição, e de lá já saíram grandes nomes e juristas inspiradores. A Bahia como um todo tem um rico e histórico berço jurídico, mas as pessoas tem dificuldade de enxergar isso. Se eu fosse resumir diria que falta mais estímulo à extensão e à pesquisa na graduação. Mas, ainda assim, no geral, é um bom curso.

Blog: Se pudesse voltar no tempo, o que faria de diferente durante sua trajetória acadêmica?

Teria publicado mais e feito no mínimo uma monitoria. Na minha graduação inteira realizei pesquisa e extensão: eu fui membro do SAJU e do CEPEJ por alguns anos, mas sempre fui perfeccionista demais para sair publicando artigos, nunca achei que eles estavam bons o suficiente. Também nunca fiz uma monitoria. Eu pretendo lecionar, então acho que perdi uma grande oportunidade ao nunca ter me inscrito para concorrer à monitoria de matéria alguma.

Thiago Teles é coautor do livro "A liberdade religiosa em questão", coordenado pelo Prof. Dr. Manoel Jorge e Silva Neto. Na foto, postada na rede sociais, Teles aparece de cabelo cortado ao lado de estudantes pesquisados e do professor citado.
Blog: Quais serão os novos desafios de Thiago Teles? 
Nesse exato momento: passar num concurso que me estabilize financeiramente. Depois, quero seguir à pós-graduação e ao magistério. Então, caminhar para a magistratura estadual. Muitas pessoas pensam na magistratura federal, eu não, quero a estadual mesmo!

Blog: Queremos agradecer sua dedicação e seu legado para todos nós, que de forma gratuita, tivemos acesso a seu caderno. 

Falando assim parece que eu deixei um “legado” com cadernos. Rs Muito longe disso, os cadernos não são nada, foram só uma maneira de me ajudar e de ajudar aos colegas. A partir de agora, que formarei, começará o legado.


Um comentário:

  1. Gostei muito da entrevista! Nao somente porque o "famoso e anonimo" (paradoxo bem bolado) Thiago e' meu irmao, mas principalmente por servir de exemplo - e possivelmente de inspiracao - a outros alunos sobre a validade da solidariedade entre colegas. Aqueles que demonstram reciprocidade na sala de aula sao os mesmos que a exercitam fora dela. Sao essas pessoas que constroem um mundo melhor, mais fraterno. Falando em fraternidade... Beijo da mana! Flavia Teles, EUA

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