"Eu estava certa de que não voltaria a dar aulas por enquanto"
Tenho 33
anos e desde 2019 dava aulas para crianças de 2 a 3 anos em uma escola de
Niterói (RJ). Após o início da quarentena, em março de 2020, tinha encontros
online com os alunos uma vez por semana, pois não havia obrigação de manter o
ensino remoto para essa faixa etária. Fazia lives com temas como festa dos
bichos e primavera e montava material com atividades, que os pais buscavam na
escola, para os filhos fazerem em casa.
Depois de um
abaixo-assinado de pais pedindo retorno das aulas, um decreto do prefeito, em
janeiro, autorizou a retomada do ensino presencial da rede privada. Cheguei a
pensar em pedir demissão já nessa época mas, conversando com meu marido,
achamos que a vida poderia continuar com os cuidados necessários.
“Depois do primeiro dia de aula, saí da escola e liguei para um
amigo chorando. Não existe isolamento social com criança”.
Ficava o
tempo todo dizendo: 'Fulano, a máscara tem que ficar em cima do nariz'. Um dia,
fui arrumar a calça de um aluno que tinha feito xixi, ele esbarrou em mim sem
querer e tirou minha máscara. Já fiquei em pânico. Pensava comigo: 'Não tem a
menor chance de dar certo, é questão de tempo pra todo mundo se infectar'.
"Se me contaminasse e perdesse meu marido, ia definhar como
pessoa"
No dia 26 de
março, uma sexta-feira, o estado entrou em feriado prolongado para conter a
disseminação da doença. No dia seguinte, soube que a avó de um amigo tinha
morrido de covid. Desabei. Queria deitar na cama e ficar lá chorando. Tinha
perdido minha avó em novembro, também por causa da doença. Então a notícia me
atingiu feito um caminhão.
Meu marido
notou minha tristeza e perguntou o que eu tinha. Contei do meu amigo e
começamos a conversar. Ele me disse que no dia anterior tinha acordado de
madrugada com falta de ar e com o olfato fraco e não conseguiu mais dormir. Já
estava com dor de cabeça e diarreia durante a semana e ficou preocupado.
Ficou
pensando que, caso estivesse com covid, eu me sentiria culpada por ter
transmitido a doença, já que era a única que saía de casa. No desespero, me
acordou, mas só abriu o jogo no dia seguinte.
Fizemos o
PCR e aguardamos o resultado. Se desse negativo, eu pediria demissão. A chance
de eu pegar era muito alta e não queríamos passar por toda aquela angústia. Com
resultado negativo, eu estava certa de que não voltaria a dar aulas por
enquanto.
Graças a
Deus, conseguimos nos manter com o salário do meu marido, que é desenvolvedor e
trabalha em home office. A gente aperta as coisas e consegue viver.
“O problema financeiro vai passar, mas nossa vida é mais valiosa
do que isso. Somos muito privilegiados e abençoados, pois sei que tem gente que
precisa sair de casa porque, senão, vai passar fome”.
Não foi uma
decisão fácil. Eu tinha um trabalho com carteira assinada, pedi demissão no
meio de uma pandemia. Além disso, chorei muito pensando que estava deixando
minhas crianças na mão em um momento tão difícil. No dia que fui pegar minhas
coisas, elas me viram e começaram a gritar: 'tia Tamires'. Foi dolorido. Estava
amadurecendo profissionalmente, encontrava muito sentido no que fazia. Mas sei
que fiz a escolha certa.
Se eu passo
covid para o meu marido e ele morre, acho que eu ia definhar como pessoa. Teria
que conviver com as consequências disso para o resto da vida e não sei se
conseguiria lidar com isso. Aí eu vejo as pessoas dizendo que precisam sair de
casa usando essa carta de saúde mental. Como não entendem que estão colocando a
vida delas e a vida das outras pessoas do seu entorno em risco?
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