7 de março de 2015

Camila Vasquez, procuradora-geral do Ministério Público de Contas


por Bruna Castelo Branco / Fernando Duarte

Camila Vasquez, procuradora-geral do Ministério Público de Contas, órgão ligado ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), foi nomeada – através de concurso público – pelo ex-governador Jacques Wagner (PT) no dia 14 de fevereiro de 2013, para o biênio 2013-2015. Formada em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Camila Vasquez acredita que o Ministério Público presta um serviço essencial para o TCM. Casada com o deputado federal Mário Negromonte Jr. (PP), nora do conselheiro do TCM, Mário Negromonte e da prefeita do município de Glória, Ena Vilma, Camila diz que para lidar com essa “sinuca de bico” familiar, é necessário separar a vida pessoal da vida profissional. “No momento em que você senta na cadeira, tem que pensar na instituição, e quando saio da cadeira, eu vivo minha vida”, garante.

Como surgiu o Ministério Público de Contas?
O Ministério Público de Contas é um órgão específico que atua junto ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). Há o Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Ministério Público de Contas do TCM. Existe muita confusão quando as pessoas perguntam: “onde é que você trabalha?”. É um órgão pouco conhecido. Ele foi criado em 2011, demorou muito para ser implantado aqui na Bahia. O Ministério Público de Contas do TCM da Bahia foi o penúltimo a ser implantado no Brasil, e ainda falta o de São Paulo.

Como funciona o Ministério Público de Contas?
Para responder isso, é importante falar sobre o TCM, porque é uma questão muito similar. O TCM fiscaliza todos os municípios do interior e a cidade de Salvador. É um órgão estadual que atua na fiscalização da administração pública municipal – tanto das prefeituras quanto das Câmaras de Vereadores. Então, além daquela prestação de contas anual, o TCM atua na apuração de denúncias feitas pelo cidadão e os termos de ocorrência, que são modalidade de um processo deflagrado por um inspetor funcionário do próprio TCM. Nesse contexto, o Ministério Público de Contas atua dando um parecer sobre o aspecto jurídico desses processos, juridicamente pode-se dizer que o órgão atua como um fiscal da Lei. Qual é a diferença entre o Ministério Público de Contas e o Ministério Público de ‘normal’? Nossa competência está restrita a competência do TCM.

O Ministério Público de Contas é um organismo técnico dentro de um tribunal que é composto iminentemente de indicações políticas. Como lidar com essa diferença entre órgão técnico ligado a um que tem uma formação política?
Primeiramente, é bom frisar que o TCM é um órgão técnico cujos membros, alguns, possuem trajetória política. Quando entram no Tribunal devem deixar pra traz a política e devem exercer a função da forma mais técnica possível, dentro das atribuições da magistratura de contas. Dito isso, é claro que o passado político agrega uma contextualização e conhecimento das questões municipais, ao passo que nos agregamos um olhar jurídico sobre a matéria. É uma relação nem sempre fácil, mas rica e necessária. No começo, assim que fui aprovada no concurso, um colega falou: ou você vai virar política, ou o órgão vai virar técnico, porque nesse choque não vai haver coexistência. Mas eu acho que não. Eu acho que nós agregamos ao Tribunal um valor que de certa forma carecia, esse olhar técnico-jurídico. Não posso dizer que é fácil, mas hoje nós convivemos em harmonia com os conselheiros. Por exemplo: lá existem muitos órgãos políticos e todos os julgamentos são muito unânimes, há pouca discordância, as matérias já estavam muito consolidadas. Com a chegada do Ministério Público de Contas, começamos a pedir mais a palavra, tentar mudar certos entendimentos já assentados, e isso tem trazido um aprimoramento da prestração do TCM do ponto de vista jurídico. Não é fácil, mas é benéfico.
 

E como é possível manter uma relação harmoniosa e benéfica com os políticos que compõem o Tribunal?
A situação que vivemos no momento da implantação do Ministério Público de Contas foi uma situação que todos os colegas passaram no Brasil. Quando eu entrei, conversamos muito com pessoas de outros estados e invariavelmente a trajetória é a mesma. Todos passaram por um período de muita tensão, mas sempre tentamos fazer uma diplomacia. Eu sempre acho que é melhor resolver os problemas amigavelmente, já que vamos estar juntos por muito tempo, do que tornar aquela questão administrativa como pessoal. A dotação orçamentária, por exemplo, está dentro do orçamento do Tribunal de Contas, e isso é uma das principais reclamações de todos os Ministérios Públicos de Contas. Como pode um órgão idealizado pela Constituição para fiscalizar os Tribunais de Contas e para atuar como fiscal da Lei naquele tribunal estar administrativamente vinculado a ele? Mas no TCM conseguimos manter uma relação muito harmoniosa, o presidente Francisco Neto sempre ajuda. Não tenho quaisquer queixas administrativas.
 
Quais são as principais incongruências que o Ministério Público de Contas observa na prestação de contas nas prefeituras? Quais são as principais denúncias e as demandas dos municípios?
Existem alguns pontos críticos que sempre acontecem, como, por exemplo, as licitações. Eu acredito que a Lei das Licitações precisa de uma reforma urgente, porque, obviamente, o modelo não serve para as contratações públicas na atualidade. As licitações são feitas em sua maioria em desacordo com o que a lei estabelece, sempre com muitas dispensas que o Tribunal e o Ministério Público de Contas entendem ser indevidas. A Lei das Licitações elenca algumas hipóteses em que você pode dispensar a licitação e escolher a empresa que vai contratar. Isso deveria ser uma exceção, mas, na prática, é regra. Isso mostra como o modelo proposto engessou o gestor, o que faz com que ele corra para a exceção – e esse é um dos pontos difíceis. E dentro dessa parte de licitações, eu posso indicar umas áreas, como lixo e combustível. Os municípios hoje têm uma dificuldade de contratar e controlar o fornecimento de combustível, de modo que o Tribunal possa perceber se a utilização está sendo feita de forma legítima ou não. E é muito importante citar a quantidade de cargos em comissão que existem hoje nos municípios. A constituição estabelece que a regra é o concurso público e a exceção é o cargo comissionado ou o funcionário terceirizado. Mas na prática isso não ocorre, o que fere a igualdade de chance de participação das pessoas e a eficiência da prestação do serviço. Outro grande problema são os índices, principalmente nesse último ano que passou, que foi de fechamento de gestão. Mas esses índices não servem mais e isso é uma demanda geral das prefeituras. Eu acho que – e Quitéria sempre bate nessa tecla – vira e mexe os gestores extrapolam o índice. A análise de prestação de contas não é simplesmente uma análise de números, nós analisamos o conjunto da gestão, então às vezes mesmo que o índice não tenha sido atingido ou tenha extrapolado, conseguimos pelo conjunto da obra descobrir se foi uma boa gestão e pode aprovar.
 

 
Há algum tipo de iniciativa do Ministério Público de Contas em parceria com o Tribunal para a capacitação dos gestores?
Sempre. O Tribunal de Contas tem um papel não apenas punitivo, mas de orientação, e isso está na Lei Orgânica do Tribunal. E essa é uma demanda real, porque muitas prefeituras têm um corpo técnico que precisa de capacitação, já que há muitas pessoas que não tem a formação necessária para estar na função de administrador público. O Tribunal sempre faz capacitações e seminários. O Tribunal tem um sistema chamado SIGA, em que as prefeituras alimentam suas informações, informatizado. E nós propomos que as prefeituras criem turmas mensais de treinamento para o sistema, o que daria oportunidade para o gestor capacitar uma pessoa para um trabalho direto, ao invés de contratar uma assessoria. Dentro do Ministério Público de Contas, nada chega e não é analisado. Eu sempre tento resolver o problema. Eu acredito que o controle da administração pública tem que ser educativo.

Como é possível efetuar uma denúncia para o Ministério Público de Contas? Quais são os meios para que uma pessoa que tenha observado algum tipo de irregularidade procure o Ministério?
A denúncia no Tribunal é uma coisa, e a do Ministério Público de Contas é outra. A denúncia no Tribunal é muito formal, tem que ser feita através de um processo, que gera uma petição, que gera um número, e etc. Já no Ministério Público de Contas, qualquer notícia vira uma denúncia. Se alguém manda um email ou entrar no site (www.mpc.ba.gov.br), nós vamos no mínimo apurar e dar uma resposta. Não existe uma pessoa que mandou um e-mail e ficou sem resposta. Qualquer um que chegue lá consegue marcar alguma hora e conversar com o procurador. Nós temos um procedimento interno para a apuração desses indícios de irregularidade. Nós averiguamos e oficiamos a prefeitura, mas infelizmente não temos alguns poderes que só a Justiça tem, como quebra de sigilo, por exemplo. Quando necessário, solicitamos ao Ministério Público Estadual. Há um núcleo no Ministério Público Estadual que apura crimes praticados por prefeitos, e com esse a gente fala quase todo os dias. Nós estreitamos os laços com o Ministério Público Estadual para que a resposta das apurações seja mais rápida.
 

 
Como o Ministério Público de Contas realiza a apuração das denúncias?
Por exemplo, nós recebemos um e-mail dizendo que em um município o prefeito contratou um serviço que não existe. Vamos oficiar essa prefeitura e pedir o contrato e o termo de conferência da mercadoria. Já houve casos em que eu tive que ir até o local, mas geralmente não chega a tanto. No Ministério Público de Contas nós temos um número limitado de pessoas, quatro procuradores e sete ou oito técnicos.

Você é procuradora-geral do Ministério Público de Contas, mas é casada com um político, o sogro atua no Tribunal de Contas dos Municípios e a sogra é prefeita. Como lidar com essa situação?
É sinuca de bico. O que não tem remédio, remediado está (risos). Na verdade, antes mesmo do meu sogro entrar para o Tribunal e eu ter passado no concurso, meu marido dizia: “Ai meu Deus, tomara que você não passe nesse concurso”. Na verdade, o ex-governador Jacques Wagner (PT) uma vez me deu um conselho muito bom: “divida as coisas”. Eu não converso sobre política com o meu marido e não falo sobre os meus processos – até porque ele não vai entender muito bem o aspecto jurídico e eu também não vou entender o aspecto político, então, para não dar confusão, não falamos sobre o assunto. Claro que as pessoas acham que através dele vão ter um acesso melhor ao Ministério, mas não existe isso. Qualquer um que chegue lá vai ser recebido igual a qualquer outro. Quanto ao meu sogro, é uma convivência harmoniosa, ele é um Conselheiro como qualquer um. No caso da minha sogra, eu sou impedida de dar qualquer parecer nos processos dela, o que não impede o Ministério Público de atuar com total isenção. Eu julgo que tenho que ser o mais correta possível. Eu acho que essa é a melhor solução: no momento em que você senta na cadeira, tem que pensar na instituição. E quando saio da cadeira, eu vivo minha vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participe do blog deixando sua mensagem, nome e localidade de onde escreve. Agradecemos.